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A grande surpresa do Festival de Cannes no ano passado foi a vitória de Elefante (Elephant), filme de Gus Van Sant (Encontrando Forrester, Gênio Indomável), sobre o favorito Dogville do dinamarquês Lars Von Trier (Dançando no escuro).
Igualmente bons, mas completamente distintos na concepção, os dois filmes partilham a temática: problemas socias no "American Way of Life". Enquanto o perdedor propõe uma dura crítica à política econômica e unipolaridade norte-americanas, o ganhador da Palma de Ouro recria um massacre genérico em uma escola secundária, inspirado no desastre em que dois adolescentes (Dylan e Eric) mataram 14 estudantes e um professor na Columbine High School, em 1999. Vale lembrar que o acontecimento inspirou também outro longa-metragem, o aclamado documentário Tiros em Columbine, de Michael Moore, que também ganhou um prêmio especial em Cannes.
Elefante mergulha na cultura das "High Schools" dos Estados Unidos e arranha o lado negro da adolescência dos jovens norte-americanos com honestidade. É Van Sant entrando nos domínios de Larry Clark (Ken Park, Bully), mas sem a escatologia e os choques gratuitos que marcam o trabalho deste último. Ambientado nos subúrbios de Portland, no estado do Oregon, o filme começa num belo dia de outono. Conforme a película avança, cresce a tensão da desgraça iminente, que explodirá em um verdadeiro banho de sangue como foi o de Columbine. Surpreendentemente, tudo é mostrado sem sensacionalismo, dramalhão ou pregação. Somos testemunhas neutras do massacre e parceiros de cada um dos personagens - todos vítimas, de acordo com Van Sant.
Porém, mais que uma poética visão sobre o massacre e suas razões (ou falta delas), Elefante utiliza-se de uma narrativa inteligente e estética visual empolgante. Não que sejam extremamente originais, pois já foram utilizadas com sucesso por outros cineastas, mas se destacam pela execução primorosa da sua combinação. Gus Van Sant ignora todas as regrinhas banais hollywoodianas e apresenta seus personagens de forma totalmente aleatória. As cenas são apresentadas de diversos ângulos diferentes e soltas no tempo. A sutil amarração entre as seqüências chega a retroceder minutos, horas ou até mesmo um dia inteiro, sem que o espectador se dê conta, até que a cena atual tenha uma intersecção com outra anterior. Assim, lentamente, o diretor constrói o palco para o massacre, sem qualquer intenção de terminá-lo. Nos últimos minutos ainda há personagens a serem apresentados e destinos a serem revelados.
A câmera é outro enorme trunfo da produção. Parte de uma imobilidade voyeur que lembra uma dessas web cams apontadas para uma paisagem qualquer. Depois, seleciona um elemento - um estudante de passagem, por exemplo - e o acompanha pelas costas durante uma longa caminhada até o interior da escola. Não é coincidência que tal ângulo lembre tanto os jogos de tiro em primeira pessoa - como o popular Counter Strike. Um destes videogames chega a ser mostrado na tela durante uma passagem que mostra a intimidade de Alex e Eric (Alex Frost e Eric Deulen), os dois alunos que realizarão a chacina mais tarde.
A seleção do elenco também é interessante. Todos os alunos são interpretados por verdadeiros secundaristas de Portland, que utilizam até mesmo seus nomes verdadeiros na ficção. Só os poucos adultos são profissionais.
O título do filme tem inspiração em dois elementos: é uma homenagem ao diretor inglês Alan Clarke (1935-1990), que fez um filme intitulado Elefante, sobre a violência religiosa na Irlanda. Na produção é mencionada a expressão "um elefante na sala de estar", que diz respeito a coisas que incomodam as pessoas, mas que elas fazem questão de ignorar. Além disso, evoca uma parábola budista, que fala sobre grupo de cegos que tocam partes distintas de um elefante. Como nenhum conhece o animal e tem apenas a sensação de uma pequena parte dele, cada um chega a conclusões completamente diferentes sobre como o bicho realmente se parece.
Comparativamente, Van Sant toca em diversos pontos que podem explicar arroubos de violência estudantil como o de Columbine. Entretanto, admite que sua visão do todo pode estar completamente equivocada. De qualquer forma, a resposta não está no filme e cabe ao público tentar encontrá-la fora da sala de projeção.
Ano: 2003
País: EUA
Classificação: 16 anos
Duração: 81 min
Direção: Pablo Larcuen