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Kedma | Crítica

Habitual crítico das idiossincrasias da sua sociedade,Gitai profetiza.

09.10.2003, às 00H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 09H02

Em Kedma (2002), prêmio da crítica na Mostra BR de São Paulo em 2002, o israelense Amos Gitai trata da chegada à Palestina dos judeus fugidos do Nazismo, nos meses que antecederam a criação do Estado de Israel, em maio de 1948. Mas esse detalhamento - nomes aos bois e datas históricas - o espectador não verá na tela. Gitai resume as informações ao essencial. Assim, conhecimentos prévios do judaísmo e da História recente no Oriente Médio são mais do que exigidos para uma compreensão plena do filme.

O público encontrará, sim, sobreviventes de guerra que falam línguas diferentes, têm hábitos diferentes, idéias diferentes, mas uma religião em comum - e que seguem lutando mesmo quando acreditam provar a paz.

O filme começa com um plano-seqüência fenomenal. Janusz (Andrei Kashkar) tenta transar com a sua mulher, não consegue. Em meio close, abalado e pensativo, o homem se levanta. Abre-se o foco e a lente mostra dezenas de pessoas amontoadas, sem privacidade ou higiene. A câmera acompanha Janusz, ele sobe ao convés do cargueiro Kedma, e fita o oceano.

Quando chegam à terra prometida, os judeus são recebidos a tiro pelos ingleses, que tentam defender a sua colônia. Porém, é o primeiro contato com os árabes nativos que faz a coisa entrar em ebulição. Os judeus, por inércia da Segunda Guerra, adotam o ataque como defesa. Os muçulmanos, representados por algumas famílias com seus bodes, mulheres e idosos, reclamam da injusta expulsão - e juram, num dos momentos mais agudos da película, permanecer como muralhas contra os inimigos, de geração em geração.

Habitual crítico das idiossincrasias da sua sociedade, usualmente censurado em Israel, assim Gitai profetiza. Tenta não datar o filme para mostrar que a história continua se repetindo. Pelo seu retrospecto como documentarista, muitos depoimentos de Kedma têm um tom de relatos verídicos. Já as cenas de tiroteios e bombardeios que preenchem o vagaroso filme ressaltam a inexorável estupidez da guerra - assistir a um homem sendo fatalmente alvejado, depois de ter contado empolgado como escapou do Holocausto na Polônia, espanta, de fato, pela banalidade.

Aliás, as imagens se parecem muito com as de outro filme de guerra de Gitai, O Dia do Perdão (Kippur, 2000), sobre o fatídico Yom Kippur de 1973. Uma comparação, todavia, não é recomendável. Uma das melhores obras já feitas no gênero, O Dia do Perdão assume-se humanista, contra toda espécie de matança, enquanto aqui, numa análise mais fria, Gitai soa como um moralista dono da verdade. E Kedma resulta inferior pelo que o seu antecessor tem de elipses poéticas, transbordando simbolismos.

Claro, não faltam passagens memoráveis, que fazem o filme valer a pena. Como aquela em que Janusz, o imigrante transformado em combatente, fecha o filme como começou, revoltado com a impossibilidade do afeto. Desta vez, entretanto, num monólogo às margens da insanidade, faz impor a força das palavras, como um Charles Chaplin (1889-1977) que desabafa ao final de O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940). Excelente trabalho do ator Andrei Kashkar, que empresta algum didatismo, nos segundos finais, à penosa e difícil obra de Gitai.

Nota do Crítico
Bom
Kedma
Kedma
Kedma
Kedma

Ano: 2002

País: Israel, França, Itália

Classificação: 14 anos

Duração: 100 min

Direção: Amos Gitai

Roteiro: Haim Hazaz, Mordechai Goldhecht, Amos Gitai

Elenco: Andrei Kashkar, Moni Moshonov, Yussuf Abu-Warda, Helena Yaralova, Sendi Bar

Onde assistir:
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