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<i>Matrix</i>: A revolução nos lares mais caretas

<i>Matrix</i>: A revolução nos lares mais caretas

15.05.2003, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Já são sem número as análises de como Matrix se transformou em nova mania entre jovens e marmanjos. Mesmo assim é difícil impedir mais uma tentação de psicobaboseira. Aí vai!

Matrix, assim como épicos (as famosas trilogias) mais recentes de super-heróis em bandos, celebram a família. Não a família tradicional, mas uma nova formação, em que cabem amigos, estranhos sem papéis definidos, exceto a promessa implícita de fraternidade.

Assim foi em Stars wars, tanto quando os bruxinhos de Harry Potter, os valentões e sentimentalóides de O senhor dos anéis e mutantes em X-men. A essência de todas estas séries é a aceitação de aberrações, do diferente, em comunidades liberais e messiânicas. O sentido aponta para a manutenção da espécie humana, mas o meio (a aventura) é a confirmação que, sem uma família, não há garantia da evolução.

Um dos segredos de Matrix foi a surpresa, um dos anúncios do novo século. Ninguém se dava conta da revolução deste filme repleto de trucagens artesanais, giros de câmera, lutas flutuantes e decomposição de imagens. Mais ainda, Matrix é uma descarada sedução em torno de um herói em potencial. Mais uma prova de que a revolução se faz com a revisão de uma ordem anterior que não deu certo.

Neo é um ermitão que não acredita mais na humanidade. Convocado pelos últimos lutadores em nome da liberdade humana, ele titubeia até se arriscar por um novo. Nada tem a perder. Neo hesita muito pouco para ocupar o lugar do líder salvador para quem vivia isolado e descrente. Aprendeu, talvez, com Mad Max, um vingador solitário que aceita o cargo de líder em uma comunidade pós-apocalíptica.

Neo atrai, porque é comum. É escolhido pela turma como qualquer um de nós, mortais poderia ter sido. Ele é um funcionário de uma empresa qualquer, de existência banal. Passa a ser especial quando começa escolher, inicialmente entre duas pílulas. O resto é história do cinema.

A partir do risco, do novo, de uma nova visão do mundo o protagonista e herói experimenta o poder. Sua vida passa a ter sentido. E que sentido! Vôos e lutas após árduo treinamento. E quem não o faria? Neo, de ordinário se transforma em O herói. Não é por uma picada de aranha, ou herança de outros planetas. Neo só pode ser importante após sua escolha e submissão. Mais uma vez o espectador se identifica com um possível.

Agora queremos mais. Este ano cinematográfico é de Matrix. Deus acabou, mas a sagrada família não. Queremos ver a nova e original reunião de heróis, totalmente humanos e completamente superpoderosos derrotar as máquinas que aprisionaram o resto de nossa espécie em nossa alienação e imbecilidade.

Matrix ensina que pensar é essencial. Neo teve de refletir para aceitar conhecer a verdade. Faz sua escolha e aprende a pagar o preço. A filosofia do filme pode ser questionável (como um descrente em deuses pode tão rapidamente se transformar em um?), mas Matrix ensina que filosofar é válido.

O conceito de família tem se modificado pelas experiências modernas, especialmente nas sociedades mais liberais que viveram a contracultura. Mesmo assim, são poucos os que negam que a irmandade traz conforto. Esta é desejada e fomentada pelo cinema. Como explicar de maneira diferente o sucesso das sagas citadas acima?

Matrix foi o primeiro DVD a bater a venda de um milhão de cópias em um mercado ainda incipiente. Em seu rastro, veio o documentário Os segredos de Matrix, também sucesso que coroa a adoração pelo original. O filme é especialmente um fenômeno doméstico, possivelmente mais do que em cinema. Milhões de espectadores querem ter a turma perto, à vista, na estante. Assim como a própria e protetora família.

Matrix foi concebido como trilogia, mas não ficará nisto. A família foi recriada, todos querem mais. Neo não é o herói de um mundo que acabou. Aquela espécie de vida que ele vivia é a possível do agora. Neo é o herói do presente, aquele que pode trazer aventura e importância a uma existência comum neste início do século XXI.

Não esqueçamos também, aquela realidade virtual é a nossa realidade, estamos no enigma do não ser, deixar de ser, medíocres heróis, valentes covardes, belos feiosos, atuais e virtuais, humanos enfim. Solitários a procura de Neo (dentro e fora) de nós. Viver sem isto seria insuportável.

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