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É um massacre de epítetos. O Rei do Futebol, o Deus do Futebol, o Jogador do Século, o Atleta do Século, o Homem mais conhecido do planeta, o Gênio, o Mito...
É um massacre de efemérides. A primeira chuteira, a primeira vez na Vila Belmiro, o primeiro jogo oficial, o primeiro gol, a primeira vez no Maracanã, o primeiro campeonato, a primeira artilharia, a primeira convocação, a primeira Copa, a segunda Copa, a terceira Copa, o milésimo gol...
É um massacre de números. 21 anos de carreira, 1.375 partidas, 1.281 gols, 59 campeonatos, dez títulos paulistas, dez anos consecutivos o artilheiro do Paulistão, Pentacampeão da Taça Brasil, Bi da Libertadores, Bi Mundial de Clubes, Tri Mundial de Seleções...
É um massacre de tentos. Gol de cabeça, de falta, de pênalti, de esquerda, de destra, de longe, de placa, com bola e tudo, de voleio, de bate-pronto, de tabela, de trivela, na veia, de sorte, de bicicleta...
Enfim, é preciso ter fôlego e gosto pela coisa para encarar Pelé eterno (2004) - e é preciso saber que desmistificação, definitivamente, não tem lugar nesta cinebiografia de Edson Arantes do Nascimento.
Pelé costuma dizer que eventuais homenagens à sua figura deveriam ser feitas já, ainda em vida. Pois ele pode agora assistir à retrospectiva mais oficialesca possível de sua carreira. Desde o título e os letreiros de apresentação até a canção final de Jorge Benjor, tudo no filme de Aníbal Massaini Neto, amigo do ex-jogador há mais de duas décadas, passa pelo solene. Pelé não é entrevistado, não é acossado. Surge na tela com falas decoradas, como o narrador do espetáculo de si mesmo.
A produção do filme faz questão de ressaltar o resgate histórico. São mais de 3 mil fotos e 1.500 manchetes encontrados em setenta acervos distintos. Um quarto dos gols de Pelé são revistos na telona, duzentos deles narrados, com cerca de 150 comentários de colegas de time, técnicos, especialistas, personalidades, jornalistas, brasileiros, argentinos, norte-americanos, alemães, italianos...
Tudo bem, a lenda do Rei não tem nada de pequena, de modesta, exatamente por isso ele é o Rei. Mas Massaini bem que poderia brecar o frenesi quase burocrático com que elenca as conquistas do craque e se aprofundar no seu perfil, buscar o homem por trás da marca registrada. Não aquele que chora em uma cenografia artificial depois da pergunta ensaiada da esposa, mas um homem capaz de rever a sua vida criticamente, que permite ser cutucado em nome de um exorcismo benéfico e parcimonioso.
Isso não é polemismo barato, mas investigação e contextualização - características vitais a um bom documentário.
Do jeito que está, o filme se parece mais um especial de TV. Contribui para isso a linguagem futebolística cheias de vícios do texto do jornalista Armando Nogueira - faro de predador, olhos de lince, alegria contagiante e arte pura são alguns dos atributos reiterados à exaustão. Se os realizadores não abdicam da biografia chapa-branca, ao menos poderiam se aproximar mais do cinema, deixar que as imagens ditassem o tom da homenagem. Não parece um pedido descabido: os melhores momentos são as cenas silenciosas de gols, prova suficiente de talento e poesia em si muito mais eloqüente.
Ano: 2004
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 0 min
Direção: Anibal Massaini Neto