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Tratamento de Choque | Crítica

Dois esquentadinhos dividindo um filme sobre controle de raiva

04.09.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H14

Sujeito excêntrico, Adam Sandler se especializou no papel de louco incontido. Tanto nas temporadas em que atuou no Saturday Night Live quanto na maioria dos seus filmes - o melhor deles Embriagado de Amor (Punch-Drunk Love, de P.T. Anderson, 2002) -, personifica o homem que se enfurece de repente. Já Jack Nicholson não faz questão de esconder a sua persona careteira e ameaçadora. Em 1994, durante um acesso de raiva, destruiu o vidro de um carro com um taco de golfe. Em suma, dois esquentadinhos. Colocá-los para dividir um filme sobre controle de raiva parece, então, uma interessantíssima idéia.

E Tratamento de choque (Anger Management, 2003), de Peter Segal, começa bem promissor. Dave Buznik (Sandler), designer de roupas para gatos gordos, se envolve num mal-entendido num vôo de negócios. Pede fones de ouvido para uma comissária que não o atende. Insiste, sempre num tom de voz quase inaudível (alguém se lembra da Cadete Hooks de Loucademia de Polícia?). Já em alerta, a aeromoça diz: Por favor, não grite, senhor, eu sei que nosso país atravessa um momento difícil.... Dave tenta acalmar os ânimos, mas logo arma-se um circo ao seu redor, como se fosse uma operação para desarmar um insano suicida do Al Quaeda.

No fim das contas, Dave acaba no tribunal, condenado erroneamente a ingressar num programa de controle de agressividade. Como instrutor, surge o especialista Dr. Buddy Rydell, o personagem de Nicholson. O título em português diz respeito às técnicas de persuasão desenvolvidas por ele - baseadas no atrito, no estímulo da violência. Buddy pretende exorcizar os demônios interiores de Dave, e pra isso começa a dividir a cama com o paciente, acompanhá-lo no trabalho, expô-lo ao vexame público e periga até roubar-lhe a namorada (Marisa Tomei).

Como é de se esperar, o expansivo e professoral Nicholson, bem à vontade, domina a cena - seja quando discursa com um inabalável sorriso mordaz ou quando simplesmente se espreguiça. Mas lá pela metade do filme o bom impacto do começo perde a força. À medida que Dave se descobre com o tratamento, o personagem de Nicholson perde espaço - e isso significa que sobram na tela, apenas, alguns coadjuvantes forçados, uma trilha sonora irritante e as piadas de baixo calão adicionadas por Sandler ao roteiro do estreante David Dorfman, sobre tamanhos de pênis, lésbicas, flatulência, ejaculação precoce, etc.

Aliás, Sandler deveria, para a saúde de sua carreira, procurar um terapeuta de verdade. Sexualidade reprimida tem cura.

Mas não é só isso. Em certo momento, quando conhece o travesti Galaxia (Woody Harrelson, hilariante), Dave brinca e diz que seu nome verdadeiro é Melvin. Esse é o nome do personagem de Nicholson em Melhor é impossível (As Good as it gets, de James L. Brooks, 1997) - filme que trata, também, de um neurótico agressivo que encontra a paz de espírito no amor. Mas o que seria uma comparação elogiosa se transforma numa heresia. A direção frouxa de Segal (Corra que a polícia vem aí 33 1/3, O professor aloprado 2) não se assemelha em nada ao controle que Brooks exerce, de ponta a ponta, sobre a sua obra.

No fundo, Tratamento de choque também frustra as expectativas criadas no começo por abandonar a autocrítica e desembocar na débil auto-ajuda. Assim, o que era a simpática aventura de Dave por matar seus fantasmas se transforma, na segunda metade do filme, num guia espirituoso e alto-astral para novaiorquinos nervosos e depressivos. Claro que quem não vive na Big Apple, nem sofre diariamente com medo de ataques terroristas, logo se entedia. E se entedia bastante! Tem de tudo, desde cenários digitais cheios de arranha-céus, jogo dos Yankees e conselhos amorosos do ex-prefeito Rudolph Giuliani (!) até confraternização no Central Park ao som de I Feel Pretty, do musical West Side Story. Isso sem contar o patriotismo forçado, os personagens se cumprimentando com continência, as evidentes mensagens militares...

Tratamento de Choque, enfim, é recomendável àqueles que desfrutam da meia-entrada. É o preço exato de um filme que tem apenas uma parte bacana: a primeira metade iluminada pela presença de Jack Nicholson.

Nota do Crítico
Bom
Tratamento de Choque
Anger Management
Tratamento de Choque
Anger Management

Ano: 2003

País: EUA

Classificação: LIVRE

Duração: 0 min

Direção: Peter Segal

Roteiro: David Dorfman

Elenco: Adam Sandler, Jack Nicholson, Marisa Tomei, Luis Guzmán, Woody Harrelson, John Turturro, Kevin Nealon, Allen Covert, Heather Graham, Krista Allen, Derek Jeter, John C. Reilly

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