Filmes

Crítica

Juízo

Diretora de Justiça volta a mostrar a realidade dos tribunais - agora, de menores de idade

13.03.2008, às 14H00.
Atualizada em 16.05.2018, ÀS 16H15

Três anos depois de pintar um retrato sensível e atordoante do sistema judiciário brasileiro em Justiça (2004), a documentarista Maria Augusta Ramos cria em Juízo uma espécie de continuação, com produção da companhia de cinema de Diler Trindade (que, justiça seja feita, não banca só as Xuxas e Didis da vida).

Ao contrário do filme anterior, que acompanhava sessões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e passeava pelo Setor de Custódia da Polinter, Juízo filma audiências na II Vara da Infância e da Juventude do RJ e entra no Instituto Padre Severino, prisão para onde são levados os menores em reclusão temporária. Saem os maiores infratores, entram os menores de idade.

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O nome do filme é uma grande sacada. "Juízo" é o que se aconselha paternalmente aos jovens, "é importante ter juízo na vida", "criar juízo", como num mantra que, repetido à exaustão, pára de fazer efeito. Os sermões que Maria Augusta Ramos documenta na Vara da Infância - não há outro nome para aquelas sentenças dadas às dezenas por dia senão sermões - têm a validade de um mantra gasto.

Como em Justiça, o que nos atordoa é perceber o abismo que existe entre o juiz e o réu - acima de tudo um abismo linguístico. A certa altura de Juízo, ficamos sabendo que um detento fugiu da prisão de onde seria solto no dia seguinte, simplesmente porque não conseguiu entender a sentença que lhe concedia a liberdade. Outra cena de potencial terror, mas à qual estamos cada vez mais acostumados: a precária condição das instalações dos institutos de detenção.

Um comentário que valia para Justiça ainda se aproveita: Maria Augusta Ramos tem "olho", sabe capturar em plano banal e dar-lhe sentido. Em Justiça era a cena em que o absolvido Alan deixava o tribunal em trapos na madrugada para pegar um ônibus que nunca passava, emblema profundo do colapso social. Em Juízo, são os planos-detalhes de dentro do Instituto Padre Severino: cenas de garotos brincando com cabeças de escovas-de-dentes, matando o tempo com o que aparece, virados para o nada com olhar vazio.

Encenação

Nem tudo é elogio; há o conflito. Permanecem, em relação ao filme de 2004, as problemáticas opções que a documentarista faz. Opções essas que, aqui, por escancararem o conflito que o próprio gênero impõe, se tornam atos de gênio.

Ao contrário de muitos documentaristas que expõem na tela seus procedimentos (até mesmo botam lá as suas caras), Maria Augusta Ramos tenta a todo custo "sumir" com a câmera. Revelar-se é uma forma de dizer ao espectador que aquilo é um documentário e, como tal, deve ser assistido com ceticismo: uma pessoa que depõe em um documentário sempre "atuará", porque, afinal, está diante de uma câmera. Já Justiça e Juízo seguem no rumo oposto e apostam numa ferramente de ficção, a suspensão da descrença.

Sob análise, Juízo praticamente entra em curto-circuito por conta disso. Como seu alvo são os menores infratores, e estes não podem ser expostos publicamente (a famosa tarja preta nos olhos), a diretora precisa arrumar alguém pra colocar ali no lugar dos réus. Ela decide então escalar outros jovens que passam por situação social semelhante para atuar. Mães, pais, promotores, defensores e juízes são eles mesmos. Os réus são encenação.

Encenação talvez seja uma palavra forte demais - porque, como diz no material entregue à imprensa, Maria Augusta Ramos crê que os seus réus-substitutos poderiam muito bem estar naquela situação na vida real. Mas isso não acaba com esse dilema de Juízo à la Coutinho que é o esforço para documentar uma realidade e, ao mesmo tempo, agir como maestro do jogo de cena. A genialidade está em abrir esse dilema ao público, na medida em que a diretora já entrega o artifício nos créditos de abertura do filme.

Ouvir testemunhos de jovens que não são o que dizem ser invalida o documentário? Dá-lhe uma outra dimensão? Ou não faz - já que estamos falando da máquina de trocar nomes por números que é a máquina do sistema judiciário/carcerário brasileiro - a menor diferença?

Nota do Crítico
Bom
Juízo (2007)
Juízo
Juízo (2007)
Juízo

Ano: 2007

País: Brasil

Classificação: 10 anos

Duração: 90 min

Direção: Maria Ramos

Onde assistir:
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