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Crítica

La Montaña Sagrada | Crítica

La montaña sagrada - Festival do Rio 2006

02.10.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20

La montaña sagrada
México/EUA, 1973 - 114 min.
Ficção/Drama/Experimental

Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky

Elenco: Alejandro Jodorowsky, Horácio Salinas, Zamira Saunders, Juan Ferrara, Adriana Page, Burt Kleiner, Valerie Jodorowsky, Nicky Nichols, Richard Rutowski, Luis Loveli, Ana De Sade

A juventude de hoje em dia não imagina quem foi Alejandro Jodorowsky e a sua importância para o cinema e os quadrinhos. Ele inaugurou o modismo dos midnight movies, sessões à meia-noite que reúnem as mais bizarras situações para um público setorizado. Jodorowsky é neto de um judeu russo que se radicou no Chile depois de ter fugido da Ucrânia. Mas sua viagem foi atribulada. Ele atravessou os Andes no dorso de uma mula carregando apenas a Torá e tudo isso influencia muito seu trabalho.

Ele revolucionou os quadrinhos com a mítica série Incal, desenhada por Moebius. Dizem que o LSD foi o combustível criativo usado durante a realização da obra. Mas foi no cinema que suas teses xamanistas sobre o futuro do homem atingiram o ápice. Suas reflexões místicas e políticas sempre tinham o Terceiro Mundo como cenário. Ele fez somente seis longas-metragens, mas qualquer cinéfilo antenado sabe da sua relevância na sétima arte. Atualmente ele vive entre a Espanha e a França escrevendo livros sobre magia e psicanálise.

Seu filme mais radical e surrealista é a La Montaña Sagrada (The Holy Mountain, 1973). A história começa com uma espécie de guru (Jodorowsky vestido de preto) despindo e raspando o cabelo de duas seguidoras. Dessa cena já corta para um homem semelhante à figura ocidental de Jesus Cristo deitado no chão e com uma porção de moscas em seu rosto. Ele é carregado por um bando de crianças, que o colocam na cruz. Depois que atiram pedras nele, o tal Cristo acorda e vai em direção à cidade acompanhado por um anão disforme. Lá ele observa e participa de várias situações surreais e engraçadas, como soldados chacinando cidadãos e transando com prostitutas. No meio do genocídio, turistas do 1º mundo filmam tudo de maneira divertida. Até o massacre espanhol sobre o México é representado numa batalha com sapos.

Não existe uma interpretação única. Jodorowsky aponta caminhos, teorias e filosofia. Mas cabe ao espectador fazer a leitura e refletir segundo as suas crenças. Percebemos que a religião e as suas características dominam o enredo. Podemos até dividir o filme em três partes. Na primeira temos o caos. Uma série de seqüências para chocar, começando com a figura de Jesus Cristo, que no filme ganha o nome de Thief (ladrão). O tal personagem fuma maconha, vocifera berros e Jodorowsky aproveita o ritmo frenético para destilar seus comentários políticos e sociais. Em uma festa comandada pelo diabo em que homens dançam juntinhos, o papa expulsa Thief da Igreja e prostitutas caçoam dele carregando a cruz. Uma das prostitutas, que sempre está acompanhada de um chimpanzé, representa uma espécie de Maria Madalena e o acolhe. Uma das críticas mais contundentes dessa parte do filme é de como a figura do Cristo se tornou um produto de consumo. Romanos tiram o molde do corpo de Thief e o reproduzem em dezenas de estátuas para serem comercializadas. Cristo se tornou uma espécie de celebridade capitalista.

De repente aparece uma torre incrivelmente alta. Uma espécie de Babel. Thief resolve escalar. Nesse momento começa a 2ª parte do filme. Lá ele encontra o Alquimista (Jodorowsky, só que dessa vez de branco, representando Deus). O tal guru mostra para Thief, numa das cenas mais hilárias do filme, que todos somos feitos de merda. E que essa merda pode virar ouro. O alquimista apresenta os líderes capitalistas da cidade. Todos têm algum tipo de área especifica de devastação. Interessante que Jodorowsky os representa com o nome dos planetas e mantém as características astrológicas de cada um. Nesse momento a crítica social ganha um tempero mais picante. Os tais líderes praticam todo o tipo de degradação moral em pró de seus lucros. Jodorowsky espeta como pode. Temos o empresário que toma decisões segundo o nível de umidade da vagina de sua mulher, um que vende armas para os adultos e guitarras para os jovens em formato dos símbolos religiosos e outro que cria próteses que mantêm as características de como viviam os cadáveres antes de morreram (beijinhos de despedida, padre fazendo o sinal da cruz, prostitutas com seios se mexendo, etc.). São tantas alegorias e absurdos que o público precisa ficar atento para perceber todos os detalhes. Fica a certeza que cada um dos tais líderes (empresários, industrialistas, polícia, banqueiros, etc.) representa uma diferente doença da sociedade.

Ao final da apresentação de todos os líderes, o alquimista comenta sobre a montanha sagrada. Um lugar onde você pode encontrar a imortalidade. Os poderosos líderes ficam enlouquecidos com a possibilidade de se tornarem eternos e roubarem os segredos da montanha. Nesse momento começa a 3ª parte do filme: a travessia para a tal montanha. O alquimista divide seus ensinamentos e através de epigramas instrui os seus discípulos. Filosofias como: para perder o medo de altura, esfregue seu clitóris na montanha. Ao chegar ao topo eles encontram os tais mestres da sabedoria. Brilhantemente Jodorowsky finaliza sua epopéia de imagens com uma cena hilária. Um verdadeiro tapa de pelica nos intelectuais que buscam significado em qualquer pedaço de fotograma de sua obra.

O filme foi amplamente discutido e debatido por críticos e estudantes de cinema. Visualmente é seu trabalho mais visionário e perturbador. Uma produção concebida através de experiências místicas e transcendentais. Vale dizer que o misticismo de Jodorowsky não é acadêmico e sim puro nonsense com cenas chocantes pragmáticas. Pode até incomodar o público careta por algumas seqüências escatológicas, e os inúmeros pênis e vaginas que abundam na tela. Mas vale lembrar que o filme é um típico produto dos anos 70. Uma era marcada pela revolução sexual. Um tempo que os pensadores acreditavam que podiam mudar o mundo com paz, amor, sexo e muito LSD. Reza a lenda que Jodorowsky queria hipnotizar seus atores durante as filmagens para que a viagem fosse a mais realista possível. Uma coisa que ele conseguiu, impossível não sair hipnotizado ao fim da sessão.

Nota do Crítico
Excelente!
La Montaña Sagrada
La montaña sagrada
La Montaña Sagrada
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Ano: 1973

País: EUA/México

Classificação: LIVRE

Onde assistir:
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