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Marcas da Violência | Crítica

Marcas da violência

10.11.2005, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H19
Marcas da violência
A history of violence
EUA, 2005
Drama/Policial - 96 min.

Direção: David Cronenberg
Roteiro: Josh Olson, baseado na HQ de Vince Locke e John Wagner

Elenco: Viggo Mortensen, Maria Bello,
Ed Harris, William Hurt, Ashton Holmes, Peter MacNeill, Stephen McHattie, Greg Bryk, Sumela Kay, Kyle Schmid, Deborah Drakeford,
Gerry Quigley

Edie (Maria Bello) prepara uma bela surpresa para seu devotado marido, Tom Stall (Viggo Mortensen). Busca-o na lanchonete onde ele trabalha, deixa as crianças numa amiga... E veste no quarto do casal um uniforme curto e colante de líder-de-torcida de tirar a razão. Edie e Tom não foram namorados na adolescência, como é característico do interior dos Estados Unidos. Ela está agora realizando essa fantasia que lhes falta - e que não deixa de ser também a fantasia-padrão do estadunidense, transar com a cheerleader, de pompom e tudo.

O título original de Marcas da violência, A history of violence, já deixa implícito que não trata apenas de uma trama particular, de uma story, mas também da História com maiúscula, muito bem localizada geográfica e temporalmente nos grotões da América. São os Estados Unidos dos xerifes que tomam café na sua casa, dos chapeiros que dizem bom dia, das filhinhas loirinhas que botam a mesa do jantar.

Essa imagem é um estereótipo que corresponde, em certa medida, à verdade daquele lugar. E é com estereótipos que David Cronenberg (Spider - Desafie sua mente) decide trabalhar - nesta adaptação da HQ escrita por John Wagner (Judge Dredd) e ilustrada por Vince Locke - para mostrar até que ponto o teatro que se monta ali é um teatro de aparências.

Além da lanchonete do solícito e inofensivo Tom, um dos elementos consagrados desse teatro é o colégio. Jack (Ashton Holmes), filho dos Stall, foi educado a nunca revidar. O problema é que os outros resolvem tudo no braço. Loser típico, nerd clássico, Jack se anima no campo de beisebol quando consegue pegar a rebatida do fodão da turma. No vestiário - outra situação-clichê - ele é prensado contra os armários pelo fodão-vilão e seus comparsas, todos cheios de frases de efeito.

Pode parecer que Cronenberg acredita de verdade nessa encenação - como se estivesse mesmo do lado de Jack, dos mocinhos, dos self-made men, dos puros, enfim, dos valores bons. Nada mais equivocado. Porque Marcas da violência é a típica obra de gênio dissimulado: debaixo da narrativa tradicionalista, aparentemente esquemática, escondem-se entrelinhas radicais, um subtexto, uma visão de mundo, que não têm nada de banal.

A tentação da violência

O momento que quebra o faz-de-conta é o aparecimento do carro preto. Certa manhã estaciona em frente à lanchonete de Tom um carrão com vidros escuros, totalmente estranho àquele mundo de picapes, meio como uma nave espacial, de onde desce o misterioso Carl Fogarty (Ed Harris). Logo se percebe que é um tipo mafioso dos piores, vindo da cidade grande. Fogarty viu pela TV o que Tom fez, numa situação de perigo, com dois matadores que tentavam assaltar a lanchonete. Foi assim que o forasteiro localizou o Sr. Stall, o novo herói involuntário da cidadezinha - que não se chama Tom Stall e muito menos pode ser considerado um herói, é o que diz Fogarty, mostrando a cicatriz que atravessa de cima a baixo seu olho esquerdo cego.

Está posta a dúvida: Tom é quem diz que é? Esse se torna o epicentro dramático do filme, mas acima dele está a evidência de que o personagem interpretado com enorme talento por Mortensen vive enterrado em introspecção. Essa introspecção pode ou não ser um sentimento de culpa - e é somente fora do mundo de mentirinha, da família perfeita e da cidadezinha perfeita, que essa eventual culpa encontrará alguma redenção.

A escolha de Cronenberg para demarcar o novo mundo real não poderia ser mais palpável: sangue, fraturas expostas, agressões em close-up. Desde aquela rixa do colégio até o acerto de contas com o mafioso, todo conflito se resolverá com muito sangue, filmado sempre de modo muito veemente. Afinal, o Mal pode não ser bonito de se ver, mas de certo é mais honesto que o Bem.

Essa idéia das verdades sangradas também vale, no sentido figurado, para o (des)arranjo familiar. A certa altura, Edie e Tom transam novamente. Marcas da violência não seria o mesmo filme sem essa cena. Dá pra dizer que é a sua sequência mais importante, no que diz respeito às aparências do começo, em contraponto à verdade dura da segunda metade da história. Porque a fantasia com a líder de torcida não vai além disso: uma mera fantasia. A realidade - metáfora da vocação para a dominação e da tentação da violência que são a essência da sociedade dos EUA - é outra, Edie aprende depois, é esse sexo lutado e agredido e conquistado.

Nota do Crítico
Excelente!
Marcas da Violência
A history of violence
Marcas da Violência
A history of violence

Ano: 2005

País: EUA

Classificação: LIVRE

Duração: 96 min

Direção: David Cronenberg

Elenco: Viggo Mortensen, Maria Bello, Ed Harris, William Hurt

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