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Maria Antonieta

Sofia Coppola faz livre biografia da rainha da França

15.03.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H23

Deu dó de Sofia Coppola, com seu jeito de menina desajeitada que acabou de inaugurar o vestido do baile de formatura, sendo alvejada pelos críticos no último Festival de Cannes. Três anos depois de só ouvir elogios por seu segundo filme, Encontros e Desencontros, talvez ela esperasse uma semelhante recepção ao seu novo trabalho, Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006), livre biografia da rainha da França. Não foi bem assim.

Mas não se engane: Sofia é segura do que realiza atrás das câmeras e fez de Marie Antoinette uma ambiciosa provocação. Se colheu tempestade, não foi por ter plantado flores.

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Antes de mais nada, dar uma visão americana de ícones da francofilia - inclusive com permissão para filmar dentro do Palácio de Versalhes - já é um convite à controvérsia. E, em si, o próprio filme se estrutura sobre elementos conflitantes. O retrato de época vem acompanhado de trilha sonora roqueira contemporânea com Strokes, Siouxsie, Gang of Four. Os cerimoniosos personagens da história francesa são interpretados ou por jovens estadunidenses (Kirsten Dunst como Maria Antonieta, Jason Schwartzman como Luis XVI) ou por comediantes e atores de segunda linha (Steve Coogan, Molly Shannon, Rip Torn como Luis XV). E a maior fonte de conflito: o estilo limpo de Sofia versus o rebuscamento do tema.

Busque na memória algum filme de época britânico... violinos, gruas, grandes travellings, planos elaboradíssimos, não é? Pois Sofia Coppola trabalha do lado oposto, cultivado desde a sua estréia, As Virgens Suicidas (1999): planos curtos (os cortes não são videoclípticos, mas ocorrem de forma sucinta), enquadramentos que evitam close-ups (dramatizações) desnecessários, utilização ostensiva de elipses temporais. Se fosse possível resumir o cinema da diretora em uma palavra, seria franco. E nada está mais longe das solenidades da realeza.

Alter-ego inconformada

O filme começa muito bem trabalhando em cima desses antagonismos. Aos 14 anos, a arquiduquesa austríaca Maria Antonia é enviada a Paris para se casar com o príncipe Luis XVI - forma de seguir uma linhagem de nobres e manter a boa relação entre as duas nações. Não é fácil, porém, a adaptação da adolescente aos modos franceses. Descendente de romanos, de gestos afetuosos, ela estranha a frieza da rotina de Versalhes. Tudo se complica quando demora em gerar um herdeiro ao trono. A languidez de Luis XVI não ajuda.

Sofia Coppola consegue armar muito bem o cenário e a atmosfera, dando toques de autoralidade à biografia da rainha. Que graça tem contar uma história conhecida por todos, afinal, se não for para inserir particularidades? Aos poucos, a personagem se torna alter-ego da cineasta: oprimida num ambiente que lhe demanda sucessos, gentilezas, presa num mundo que quer enquadrá-la, enfim. Maria Antonia, agora conhecida como Rainha Maria Antonieta por seus súditos, precisa aprender rápido a satisfazê-los. E é assim que Sofia Coppola deve se sentir diante das expectativas da crítica. Se a personagem se rebela (e o filme se ocupa a maior parte do tempo em mostrar essa inconformação), do seu lado a cineasta também insiste em preservar sua liberdade.

Marie Antoinette não é um filme irretocável. Sofia, ironicamente, acaba refém de sua ferramenta mais preciosa: as elipses, esse recurso que produz saltos narrativos para suprimir passagens que então ficam implícitas. No começo do filme as elipses caem bem, já que reproduzem a rotina óbvia do palácio durante a adolescência da rainha. A partir da metade, porém, quando a trama passa a incluir duas décadas de acontecimentos esparsos (mortes, nascimentos, adultérios, reformas), as elipses perdem ligação. Saltando de momento em momento, o filme termina sem unidade.

Concisão era uma qualidade de As Virgens Suicidas e Encontros e Desencontros, mas há que se considerar que eram histórias curtas, quase como contos. (Imagine Marie Antoinette encerrando-se após o primeiro parto do filme, e a comparação fica mais nítida.) Isso pode representar um problema para Sofia Coppola daqui em diante. Quando se arriscou numa biografia horizontal (que engloba a vida inteira do biografado) e precisou fugir da sua fórmula padrão, a narrativa vertical (um único momento que define toda a vida de um personagem), ela patinou.

Saiu-se com um filme imperfeito, sim, mas não um filme descartável, como fizeram crer os críticos de Cannes. Sofia ainda merece (muito) crédito, pelo simples fato de tentar.

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