Como paródia da rebeldia em duas rodas, Motoqueiros Selvagens (Wild Hogs) não começa mal. São quatro os easy riders da vez: Martin Lawrence (Vovó...Zona), John Travolta (Be cool), William H. Macy (Fargo, Magnólia) e Tim Allen (Um natal muito, muito louco). Eles fazem o estilo gangue de bar - tomam suas cervejas, desfilam suas Harleys, com jaqueta de couro e tudo, mas no dia-a-dia são apenas quatro sujeitos na crise de meia-idade com famílias disfuncionais e empregos insatisfatórios.
A piada com a rebeldia: na hora em que decidem largar tudo e pegar a estrada, a primeira coisa que os quatro fazem é jogar fora o celular.
3
2
4
Desde os primeiro minutos em que acompanhamos os Wild Hogs, nome da "gangue" de Travolta, fica evidente que o inconformismo estilo Dennis Hopper não tem mais vez. A comédia dirigida por Walt Becker segue a linha atual: pode até defender a liberdade, contanto que não magoe o gosto de nenhum espectador. Fazer o jogo do público - oferecer-lhe uma comédia com cara de inconformista mas espírito conservador - é o grande negócio. Não se espante se, a certa altura, depois de cruzarem com uma gangue de verdade (liderada por Ray Liotta), os Hogs perceberem que os valores da família são mais importantes que a lei da estrada.
Não chega a ser um filme de tiozinhos feito para tiozinhos - Motoqueiros Selvagens foi feito para não discriminar espectador algum. Fórmula-família bem-sucedida, claro: o filme foi tão bem nos Estados Unidos que já vai ganhar continuação. Para tirar como base, saber se o seu gosto bate com o sugerido no filme, responda rápido: escutar "Wanted Dead or Alive", do Bon Jovi, no momento teoricamente de maior rebeldia do personagem de Travolta, quando ele corta o combustível das motos da gangue rival, te faz sentir: a) empolgado; b) enjoado; c) indiferente?
Há uma quarta resposta possível: marginalizado. Porque, como diz o lema bonjoviano ("trezentos quinzilhões de fãs não podem estar errados"), pode calhar de você cair na sala em que todo mundo adora, gargalha e se empolga com Motoqueiros Selvagens, inclusive aquele cara, um dos trezentos quinzilhões de fãs de Bon Jovi, que canta a música junto com o filme. É a pior posição possível, a de marginalizado. Ficar indiferente diante de um filme é uma coisa. Não achar graça onde todo mundo se esborracha de rir já é quase uma tragédia existencial.
Curiosamente, para esse tipo de espectador exigente e solitário, há uma contrapartida dentro da tela: William H. Macy. Não é o ator que se vê normalmente em comédias-família, muito pelo contrário. Ele é o cara que dividiria com você a vergonha de estar ali, naquele momento. Macy é famoso por seus papéis em dramas independentes - invariavelmente, o papel de loser. A única trip libertadora de verdade em Motoqueiros Selvagens é acompanhar um ator sério como ele se despir da preocupação com o apuro estético. Macy, que só interpreta os fracassados, mergulhou no pastelão para viver um heroísmo de brincadeirinha.
No caso, despe-se e mergulha, literalmente. A cena da lagoa em que Macy dá uma "baleia branca" é tocante.