Ficções científicas com "sacadinhas" são a especialidade do roteirista e diretor Andrew Niccol, de Gattaca, O Show de Truman e S1m0ne. Em O Preço do Amanhã (In Time), a premissa permite várias delas.
o preço do amanhã
o preço do amanhã
o preço do amanhã
A trama se passa em uma sociedade que conseguiu bloquear o gene do envelhecimento. Todo mundo cresce até os 25 anos, e depois pode permanecer jovem pra sempre - contanto que pague por isso, afinal a superpopulação do planeta é uma preocupação geral. O tempo é a moeda de troca. Os mais ricos vivem séculos. Os mais pobres, assim que completam 25 anos, passam a conviver com uma contagem regressiva diariamente.
Então frases corriqueiras como "tem um minuto?" ou "não tenho tempo para namorar" ou "belo relógio o seu" - dá pra ficar enumerando as sacadinhas - ganham outro contexto. O protagonista, que não tem tempo a perder, é Will Salas (Justin Timberlake), um homem da periferia falsamente acusado de assassinar um milionário para roubar seu tempo. Na fuga, por que não?, ele decide desafiar o sistema.
O Preço do Amanhã é o tipo de filme formatado para agradar sem fazer muito esforço. Seu discurso à Robin Hood tem apelo atemporal (especialmente em tempos de Occupy Wall Street) e a premissa permite não só as sacadinhas como dá a Hollywood o salvo-conduto de aproveitar todos os seus astros bonitos e prematuros sem a dor na consciência de jogar os velhos para escanteio (lembrando que ninguém envelhece na trama).
Então Timberlake, Amanda Seyfried, Alex Pettyfer, Matt Bomer e Cillian Murphy correm de um lado para o outro, com o gás da juventude, como se estivéssemos vendo 007 - No Jardim da Infância. O herói inclusive se apresenta como "Salas, Will Salas" na cena do jogo de pôquer, jamesbondiana por excelência. Completa o pacote piano-bar o obrigatório clima vintage, presente na arquitetura de concreto e nos carros antigos de decalque fosco.
Debaixo dessa casca de suspense-de-bom-gosto, porém, O Preço do Amanhã tem visíveis rachaduras. Um esmerado design de produção e um elenco fotogênico não salvam um filme que, conceitualmente, não entende a trajetória do herói.
A questão não é a competência de Timberlake; Will Salas é um personagem mal construído. Ele está lutando contra um sistema patriarcal - no filme, os ricos são ricos por herança - mas tem, ele próprio, a proteção de uma "herança": o pai herói de Will morreu lutando contra o sistema.
Niccol obviamente incluiu esse elemento no filme para aproximar o herói do vilão (o antagonista vivido por Cillian Murphy é o único que sabe do passado de Will), mas não percebeu a hipocrisia que isso gera: é um filme que critica privilégios de hereditariedade e, mesmo assim, elege como herói um herdeiro. Na prática, Will se rebela contra o sistema não porque quer, mas porque a rebeldia "está no seu sangue".
É o tipo de coisa que um bom roteirista saberia evitar. Andrew Niccol - assim como seu casal fora da lei que corre contra o relógio mas encontra tempo pra brincar de pontaria como dois jovens Bonnie & Clyde - aparentemente estava mais preocupado em emplacar mais uma sacadinha. No fim, O Preço do Amanhã é uma ficção científica cheia de mocidade que não sabe, ironicamente, criar um herói que seja jovem de fato, livre das referências (James Bond, o pai) do passado.
O Preço do Amanhã | Cinemas e horários
Ano: 2011
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 109 min
Direção: Andrew Niccol
Elenco: Justin Timberlake, Amanda Seyfried, Cillian Murphy, Olivia Wilde, Alex Pettyfer, Johnny Galecki, Matt Bomer, Vincent Kartheiser, Yaya DaCosta, Toby Hemingway, Bella Heathcote, Shyloh Oostwald