Meg Altman (Jodie Foster) decide se mudar.
Junto com sua filha, Sarah (Kristen Stewart), aluga um casarão em Nova York, vasto, quatro andares, elevador, cômodos a rodo. No dia do reconhecimento, acompanhada do corretor, descobre também uma sala secreta. Dentro do Quarto do pânico, um cubículo revestido de aço, construído para situações de perigo, é possível monitorar todo o lugar. Já na primeira noite na nova casa, o azar. Três bandidos invadem o casarão. Para se proteger, Meg e Sarah refugiam-se na caixa inviolável. Burnham (Forest Whitaker), o cabeça do grupo, tenta controlar os seus parceiros, um excitadíssimo, o outro altamente psicótico. Temos que fazer as duas sairem. E eu não quero ajuda do Joe Pesci aí, diz Burnham, referindo-se ao segundo comparsa, contratado à sua revelia.
Disparada logo no início do filme, enigmática, a citação fica no ar durante um bom tempo. Somente depois que alguns corpos pegam fogo e desabam escada abaixo, a referência a Esqueceram de mim (Home alone, de Chris Columbus, 1990) se explicita. Perceber as semelhanças da comédia estrelada por Macaulay Culkin e Joe Pesci com O quarto do pânico (The panic room, de David Fincher, 2002) mostra-se imprescindível na hora de analisar a nova iniciativa do polêmico diretor de Se7en (1995) e Clube da luta (Fight Club, 1999). Esqueceram de mim exibia um humor negro escrachado, escancarado. O quarto do pânico, por sua vez, um suspense repleto de seqüências de ação, mostra-se mais sombrio, hipnótico, tenso, malvado.
Depois de se consagrar com temáticas desafiadoras, sentimentos humanos como instinto, fúria e insanidade, Fincher decidiu descansar. Quarto aborda outra faceta de natureza psicológica, a sensação de perigo constante e de prisão na sociedade atual, mas não impacta como os filmes anteriores. Aqui, com roteiro de David Koepp, o responsável pela adaptação de Homem-Aranha (Spider-Man, de Sam Raimi, 2002) para as telas, Fincher prefere privilegiar sua segunda grande qualidade: o estilo técnico virtuoso e a apurada utilização de computação gráfica. E decide, segundo suas próprias palavras, curvar-se ao entretenimento. A semelhança com o filme de Columbus deixa isso claro - algo que não desmerece em nada a produção. A tensão só aumenta, prende o espectador e consolida o filme como um suspense de alta qualidade. E algo mais.
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Antes de escolher Jodie Foster para o papel principal, Fincher contava com a participação de Nicole Kidman. Quando a atriz machucou o joelho no set de Moulin Rouge - Amor em vermelho (Moulin Rouge!, Baz Luhrmann, 2001), porém, o diretor precisou improvisar uma alteração. Na época, Jodie preparava-se para integrar o júri do Festival de Cannes. Convidada por Fincher, no limiar do início das filmagens de Quarto, a atriz topou na hora. Deixou o festival e incorporou a personagem em meros nove dias de preparação. Depois, precisou abandonar as gravações por um tempo, época da sua segunda gravidez. Todos os imprevistos e os atrasos não afetaram a atuação. Pelo contrário.
Se a participação de Nicole resume-se numa pontinha, sua voz ao telefone, numa conversa entre Meg e a nova esposa de seu ex-marido, a versatilidade de Jodie adiciona ao filme um elemento tão forte quanto a estética de Fincher. De mãe desprotegida, Meg precisa se tornar uma valentona. Em certo momento da película, Sarah confessa: Minha mãe é louca. E Jodie Foster faz tudo parecer verossímil. Comparativamente, as transformações de Meg Altman durante o filme equivalem-se às de Kevin McCallister de Macaulay Culkin.
No entanto, logicamente, como um bom autor, Fincher separa as coisas, foge da simples reverência e faz da fórmula um produto original. Quando tudo começa a descambar para o cômico, o diretor retoma o terror da proposta inicial. Consegue, com uma destreza hitchcoquiana, transformar o cenário em personagem e passear em planos-sequências, ao mesmo tempo em que aborda temas variados como o casamento e a revolta, a bondade e o perdão. E ainda há mais. Ninguém deve se assustar com o sensacionalismo do título. Ele não resume todas as idéias contidas no filme. É preciso conferir. Afinal, seria difícil detalhar outros elementos de O quarto do pânico sem revelar mais surpresas.
O Quarto do Pânico Direção: David Fincher |
Imagens © 2002 Columbia Pictures.