Temática dominante na obra de ficção e documental do cineasta alemão Werner Herzog, a relação entre o homem e o espaço é o centro de O Sobrevivente (Rescue Down, 2006). Como no já clássico O Homem Urso (2005), seu documentário mais recente, Herzog questiona aqui as transformações pelas quais o ser racional passa em ambiente selvagem - até o ponto em que ser e ambiente se tornam indissociáveis.
A base de O Sobrevivente é uma história real, que Herzog já havia transformado em documentário em Little Dieter Needs to Fly, de 1997. Dieter Dengler, quando era criança, realmente só precisava voar. Tanto que o filho de alemães se alistou na Marinha dos EUA apenas pela vontade de controlar o seu próprio avião. Vocação fatídica: assim que partiu de um porta-aviões para a sua primeira missão na Guerra do Vietnã, Dieter teve o seu caça abatido sobre o Laos.
rescue dawn
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Sobreviver à queda foi apenas o primeiro passo de uma epopéia de superação na selva que Herzog sentiu que renderia um filme de ficção. Em O Sobrevivente, Dieter é interpretado por Christian Bale (Batman Begins), em uma atuação transformadora como aquela a que se submeteu em O Operário. Sob o comando perfeccionista de Herzog, que exige imersão total do elenco na situação vivida por seus personagens, Bale passou uma temporada no mato, comendo verme e saltando em correntezas infestadas de cobras. Tudo pela imersão.
O resultado não é espetaculoso ou calculado, como nos filmes de guerra à Spielberg. Percebe-se, assistindo a O Sobrevivente, que Herzog preza mais a experiência do filmar do que a execução do filmar. É o olho do documentarista - atento mais para os acasos do que para uma situação roteirizada - que prevalece, e aí temos a oportunidade de captar momentos de veracidade em cena, momentos em que Christian Bale e Dieter Dengler se confundem de fato.
Momentos como o esforço de Steve Zahn (na atuação de sua vida) em canalizar energia para formar uma palavra, como o olhar louco de Bale devorando o arroz, como os passos erraticos de Jeremy Davies à esquerda e à direita tudo ao mesmo tempo. É a febre da selva em sua manifestação mais pura, e se Dieter sobreviveu - se Bale sobreviveu - a tudo isso, a câmera de Herzog se coloca a documentar. Uma câmera que dispensa efeitos, austera como um observador que não ousa interferir no fluxo das coisas.
Sublimar a câmera, aproximar o ficcional do real, é peça chave para permitir que homem e ambiente se conectem. De certo modo, o homem representa a ficção e a natureza é o documental dentro dessa equação, e zerá-la é a genialidade de Herzog e O Sobrevivente.