O brasileiro Rodrigo Santoro, por sugestão do produtor Gianni Nunnari, originalmente era cotado para viver um dos espartanos em 300, a adaptação da HQ de Frank Miller, mas seu contato com Zack Snyder foi tão positivo que imediatamente o cineasta cogitou dar a ele um dos grandes papéis do filme, Xerxes, o Deus-Imperador Persa e antagonista do Rei Leônidas. Um breve teste depois e o ator conseguiu o cobiçado personagem. Conversamos com Rodrigo numa mesa-redonda para o filme no Rio de Janeiro no início de março. Confira abaixo a conversa.
Você ficou sabendo dessa polêmica sobre o protesto do governo iraniano contra o filme e seu personagem?
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Eu acho que a intenção desse filme é única e exclusivamente reproduzir a história em quadrinhos e ela é uma fantasia e uma ficção. Ela tem uma base histórica, mas é uma licença poética total. Por exemplo, não pude nem usar o estudo que eu fiz a partir da obra do historiador grego Heródoto para poder entender mais sobre o personagem. A graphic novel tem muito pouco a ver com os fatos. O que posso dizer é que nunca vi nem reparei no set, no diretor ou nas pessoas envolvidas qualquer intenção metafórica. Compararam Xerxes até com o Bush nos Estados Unidos, várias coisas desse tipo. É natural que isso aconteça, mas a intenção nunca houve. Fiquei muito surpreso porque a idéia do diretor é totalmente focada na HQ. Ela era a nossa Bíblia e não havia qualquer espaço para esse tipo de questionamento porque nosso universo era aquele e estávamos imersos nele. Era a única base.
O fundo azul exige que tudo fique por conta da imaginação. Como foi ver o resultado pela primeira vez?
No fundo azul não havia coisa alguma. Absolutamente nada. Você, o ator, seu figurino, e só. Eu não sabia muito bem o que esperar. Minha única referência, como eu disse, era a HQ. Por mais que eu tivesse uma idéia de como ficaria, fiquei muito surpreso com o trabalho visual e a estética. Eu conheci de verdade o filme naquele momento. Eu mal vi o filme sendo feito, pois cheguei nas duas últimas semanas. Achei tudo muito original. E foi diferente demais me ver gigante, como aquela criatura mitológica, aquele arquétipo, que tem um ego inflado, um autoproclamado deus. Frank Miller o descreve como um cara de 2,5 metros, com voz de trovão e sem pelos no corpo todo. Como a proposta pedia fidelidade absoluta à história em quadrinhos eu já imaginava no que eu me transformaria, mas nem tenho palavras pra expressar o que senti me vendo. Fiquei impactado.
Xerxes além de tudo parece querer seduzir a todos, inclusive os homens.
Frank Miller também o descreve assim, como um sedutor. Eu trabalhei de forma ambígua, primeiro porque em 480 a.C., em todos os estudos que fiz, notei que essa ambiguidade de sexo era muito fácil de ser encontrada. Era assim que as pessoas se relacionavam com a sexualidade. A questão aqui nem é tão sexual, mas minha idéia para ele - tirada a partir da ilustração do criador, Miller, já que meu papel como ator é apenas dar vida na tela ao personagem - é mais de um deus, uma entidade. Ele não é um humano sexual, em termos de masculino e feminino, é mais uma energia, yin e yang. A palavra-chave desse personagem é mesmo "sedução". Ele é a sedução, uma serpente, uma criatura mitológica irreal na visão de um artista muito particular, que é Frank Miller.
Você se prepara muito para os personagens. Foi difícil preparar-se para essa "criatura"?
Foi justamente isso o que me interessou no projeto. Primeiro o fato de ser um universo tão novo, o da HQ, algo inédito pra mim. Também o fato de trabalhar com o fundo azul, uma experiência única para o ator. Por ser um gigante eu trabalhava sozinho quase o tempo todo, olhando pra baixo, para um ponto imaginário. Eu ensaiava a cena, sabia o timing dela, mas quando era pra valer era só imaginando. Um aprendizado e exercício sensacional, que exige enorme concentração, muito mais do que os outros personagens que já fiz. Esse processo me pediu muito mais energia nesse sentido. Tive que aprender a técnica na marra, quando me vi naquela sala toda cercada de azul e tinha que falar do meu exército e de outras coisas que não estavam lá. Acho que é um transporte, uma fé tão grande, a necessária para transportar-se para aquela realidade virtual. Minha única base sólida era a figura do personagem criada na HQ. O desenho me disse muito. A outra âncora era a maquiagem, que levava cinco horas diárias.
E com tantas experiências distintas você pensa em voltar a fazer novelas?
Eu não tenho nada contra as novelas, mas elas são trabalhos de longo prazo e minha prioridade no momento são outros trabalhos. É muito mais uma questão de prazo do que de outras coisas. É meio uma reciclagem.
E essa experiência da turnê mundial do filme, também é inédita pra você. Como está a recepção do filme?
A recepção é ótima em todos os lugares pelos quais estamos passando. O processo de promoção, entrevistas, etc., está sendo uma escola. São muitas entrevistas, em inglês - algo que ainda estou desenvolvendo -, coisas enormes, de 40, 50 jornalistas por dia. Estou tendo um enorme prazer em conversar e trocar idéias sobre o filme. Mas é trabalhoso. Já fizemos Berlim, Londres, Nova York, Los Angeles, Brasil... sem parar.
Fale um pouco de como foi trabalhar com Zack Snyder
Zack tem um estilo muito próprio de filmar. Apesar de eu não ter visto a maior parte das gravações, logo de cara percebi, pelo estilo de direção dele, como seria a linguagem do filme. Mas mesmo assim só dava pra imaginar. Só entendi de verdade quando o vi pronto, tudo junto, com esse tom meio de ópera.
E você continua no mundo dos quadrinhos, leu mais alguma coisa depois de 300?
Eu ganhei Watchmen dos produtores...
Opa, um sinal?
Não, não! Hahahahaha, sinceramente acho que não há a menor chance. Zack não me falou nada e eles sempre mencionam se há interesse. Eu ganhei porque eles estavam com uma pilha de livros lá e me deram um. É a Bíblia das HQs, né? Mas vou ler... vai que encontro alguma coisa lá que me empolga...
E como você vê essa coisa de ser "bandeira" brasileira lá fora? Sabe como é, brasileiro adora torcer.
Putz, não me coloca essa responsabilidade, não... Mas eu fico comovido em encontrar os brasileiros na première. Em Londres, por exemplo. Foram várias pessoas no tapete vermelho, gritando, aquela coisa muito positiva, muito bacana. É bonito. Me sinto lisonjeado, mas sou só um ator tentando fazer meu trabalho da melhor forma possível.
E você não tem medo de se transformar nos papéis.
Exato! Eu nunca penso no que os outros vão achar das minhas escolhas. Se fizesse isso ficaria inerte como ator. Nunca foi minha intenção construir imagem de galã ou coisa do tipo. Isso é uma percepção. Meu trabalho é focado no personagem. Para mim só existe a interpretação e minhas escolhas são baseadas naquilo que eu sinto, na vontade de me desenvolver. Tudo além disso está fora do meu controle. Nunca fico racionalizando sobre o que vai acontecer.
Mas você persegue suas intenções ou espera as propostas?
Eu ainda não comecei a ir atrás, mas tenho vontade de encontrar um personagem. Nunca fiz isso. Mas é bem interessante o lance do personagem te encontrar, cruzar o seu caminho. A busca me parece mais uma coisa de ego, talvez, "eu quero fazer". Mas ao mesmo tempo, uma vontade de fazer algo assim tem aumentado... mas o dia que acontecer, pode dar samba.
Ainda dentro desse papo de projetos futuros, fale alguns diretores com os quais você gostaria de trabalhar.
Jorge Furtado, o Beto Brant, que tem uma visão tão interessante, Fernando Meirelles - com ele eu quase trabalhei -, o José Henrique Fonseca, devo trabalhar com ele num filme sobre o Heleno de Freitas, um jogador de futebol... o Andrucha, temos um projeto juntos... o roteiro está sendo retrabalhado. É comigo e com o Selton [Mello]. Enfim, há vários projetos em andamento e tenho dois filmes ainda inéditos pra estrear, como Desafinados e Não por acaso. E outro dia recebi um roteiro baseado num livro do Graciliano Ramos que fiquei babando, mas esse não posso contar. Ahahahaha. Tem tanta coisa...
E a questão da grana? Hollywood paga mais...
Paga mais pra quem? Ahahaha, lá sou um desconhecido, recebo pela tabela do sindicato. Mas a grana nunca foi minha prioridade, claro, tenho que pagar as contas, mas se o projeto for bom, já trabalhei até de graça.
Pra completar, gostou da revista Omelete?
Ah, você é do Omelete! Pô, gostei! Era você que estava na coletiva do Second Life?
Estava sim.
Que loucura que foi aquilo! Estávamos todos na mesma sala, com microfones e fones. Foi a experiência mais virtual da minha vida, tipo o fundo azul do 300! Você ouviu toda a história?
Ouvi tudo, eu era o cara de cueca de couro!
VOCÊ era o cara da cueca de couro! HAHAHAHAHA! Foi o máximo, foi um contato ótimo especialmente porque eu tinha conhecido rapidamente o Frank Miller na première, mas você lembra do que ele falou no Second Life sobre o Xerxes?
Exatamente o que você me falou na entrevista!
Foi um contato virtual - ele estava via telefone - mas foi ótimo ouvir o criador falar da criatura ali, ao vivo. Fiquei tocado com tudo o que ele disse do Xerxes e do meu trabalho! Ainda mais que a gente não se conhecia!