Diz a lenda que o roteiro de Os Simpsons - O Filme (The Simpsons Movie, 2007) passou por nada menos que 166 tratamentos antes de ser finalizado. É prática na indústria do cinema, de modo geral, submeter scripts a revisões constantes, até mesmo em plena filmagem, mas só em Hollywood isso ganha status de tara.
Quando um roteiro passa por muitas mãos - no filme da família amarela são pelos menos dez profissionais creditados - o texto frequentemente vira uma colcha de retalhos cheia de idéias esparsas e unidade zero. A boa notícia é que o "estilo frankenstein", que costuma prejudicar filmes em live-action calcados na dramaturgia, se encaixa perfeitamente em uma produção como Os Simpsons.
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Em outras palavras: 166 revisões só melhoraram o longa-metragem, que encontrou espaço para encaixar mais gags por minuto e teve as suas piadas depuradas com o tempo. No fim, inclusive, e paradoxalmente, o longa-metragem tem um arco dramático muito mais sólido do que qualquer episódio dos últimos 18 anos. É aquela coisa - em 30 minutos, a série passava 10 minutos falando de um assunto e 20 falando de outro. Na telona houve uma preocupação maior com começos, meios e fins.
A história parte do momento em que Lisa alerta Springfield sobre a poluição ambiental. Todos decidem parar de sujar o lago da cidade. Só que aí aparece Homer, claro, cometendo mais uma das suas. Não resta opção senão o governo dos EUA tomar uma medida drástica: o presidente Arnold Schwarzenegger manda isolar Springfield com uma redoma de vidro. Acuado por todos, sem o apoio da família, resta a Homer consertar a burrada que fez.
O fiapo dramático não só cutuca o governo Bush (política de exclusão, paranóia) como fica de pé até o fim. E abre espaço para toda a sorte de cenários e situações - tirando os alienígenas, devem aparecer, ainda que brevemente, todos os tipos consagrados da mitologia da série. Aparecem também o Porco-Aranha e o Harry Porco, duas das melhores piadas do filme.
De modo geral, são essas gags mais intelectualizadas, que exigem bagagem do espectador (os animais silvestres desenhados à moda Disney são ótimos), as mais recompensadoras, ao lado das auto-referenciais (o "to be continued", as chamadas da Fox passando no rodapé da tela). Não são, no entanto, a maioria no filme. Quem viu o trailer sabe: tem muita martelada no dedo e bola-de-demolição, então vá preparado para algum humor físico de massa também.
E vá preparado para a mudança na dublagem. Voz de Homer durante anos a fio, Waldyr Sant'Anna foi substituido por Carlos Alberto (leia mais) no filme e no seriado a partir da décima-nona temporada. Nem se discutem aqui os méritos de um e de outro - duro de aceitar é a troca de vozes a essa altura do campeonato, especialmente por que se trata de um longa que depende muito da identificação prévia do espectador com a série.
Das 400 cópias do lançamento no Brasil, apenas 20 são com som original em inglês. Atitude compreensível - o filme é absolutamente verborrágico e não deve funcionar muito bem para quem precisa ficar acompanhando legendas - mas a nova voz de Homer em português deve causar bastante estranheza.