Como um bom relato portenho, Um Conto Chinês (Un Cuento Chino, 2011) começa em tom de melancolia. Roberto (Ricardo Darín) tem uma loja pequena de ferragens, onde mora. Coleciona animais de vidro em miniatura para a falecida mãe, dorme sempre no mesmo horário e evita como pode os avanços da filha de um amigo, apaixonada por ele.
cuento chino
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Um estranho caso com uma vaca que caiu do céu na China, porém, vai acabar com a crença de Roberto de que na vida não há acasos. O chinês Jun (Ignacio Huang) chega a Buenos Aires sem falar uma palavra em espanhol; tem no braço apenas o endereço de seu tio que mora na Argentina. Quando se encontram por acidente, Roberto e Jun mal se entendem - e dessa situação Um Conto Chinês tira sua premissa.
Jun é pouco mais do que um alívio cômico, na maior parte do tempo. O que interessa é a reação de Roberto, o típico solitário cheio de rotinas e de métodos (e consequentemente infeliz, pela lógica da ficção) que os feel good movies pegam para ensinar ao espectador as alegrias de viver inconsequentemente. O filme "pra sentir-se bem" do diretor Sebastián Borensztein não apresenta novidades, nesse aspecto. Há alternativas, como o peruano Outubro (2010), lançado no Brasil neste ano, que levam o subgênero para caminhos mais interessantes.
O que Um Conto Chinês tem de particular, sim, é a forma como se comunica. Porque a questão de todo feel good movie é o convencimento - é a oportunidade mais plena de suspender nossa descrença, colocar o espectador diante de gente que muda de vida pelo simples fato de optar por vivê-la. O feel good movie é uma anestesia. Na verdade, seus protagonistas são marionetes a serviço de uma felicidade fabricada, mas Borensztein nos convence de que seus personagens são reais, porque as reações deles, em cena, soam autênticas.
A principal sacada aí é antepor Roberto e Jun - o tipo amargurado que fala sozinho e o chinês de poucas palavras. Um Conto Chinês conta com o talento de Darín, obviamente, mas é o choque com Huang que dá-lhe vida. Borensztein tem a sensibilidade de entender que está fazendo não um filme-de-situações, mas um filme-de-atores.
A cena do chinês ao telefone, durante o clímax, é um bom exemplo dessa sensibilidade. Ao longo de Um Conto Chinês acompanhamos Darín soltando palavrões, ventilando frustrações que o espectador reconhece tão bem - o palavrão é o verdadeiro esperanto - e naquela cena a câmera se fixa no rosto do chinês, conversando com seu tio ao telefone, e então é o "silêncio" que se torna eloquente. Não apenas recebemos só meio diálogo (não ouvimos o lado do tio no telefone) como a fala de Jun em chinês não tem legenda; um silêncio entre aspas porque não é literal, mas figurado.
Nesse close-up o diretor mostra que seu interesse não está só no verbo (e qualquer outro feel good movie, como toda auto-ajuda, é um esforço discursivo), mas também na imagem, e o semblante do personagem, que até então era pouco mais do que uma caricatura de chinês, nos emociona.
É por isso - e agora soa como um paradoxo - que embora se entenda muito pouco o que se fala em Um Conto Chinês, ainda assim é um filme que se comunica com o público perfeitamente bem.
Um Conto Chinês | Cinemas e horários
Ano: 2011
País: Argentina
Classificação: 12 anos
Duração: 100 min
Direção: Sebastián Borensztein
Roteiro: Sebastián Borensztein
Elenco: Ricardo Darín, Muriel Santa Ana, Javier Pinto, Ignacio Huang, Enric Cambray, Iván Romanelli, Joaquín Bouzas, Pablo Seijo, Gustavo Comini, Vivian El Javer