Jodie Foster vive em Valente (The Brave One) Erica Bain, uma radialista cujo programa semanal exalta o amor dos nova-iorquinos por sua cidade. São histórias, sons, lugares e sensações que só a Grande Maçã é capaz de proporcionar. Num dia qualquer, porém, a cidade mostra a Erica seu lado selvagem. Ao passear com seu noivo (Naveen Andrews, o Sayid de Lost) pelo Central Park, eles sofrem uma brutal violência nas mãos de uma gangue. Ele não sobrevive.
De certa forma, Erica morre também. Ou pelo menos a pessoa que ela era. Como amar uma cidade capaz de tal violência - e incapaz de punir os culpados? A resposta está no vigilantismo, que surge inadvertidamente, mas aos poucos transforma a mulher de vítima a predadora.
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Com tal premissa, é impossível não lembrar de dois clássicos do gênero justiça-com-as-próprias-mãos: Desejo de Matar e Taxi Driver. O último, aliás, foi o filme que tornou Foster famosa, no papel de uma jovem prostituta - alvo da obsessão do personagem de Robert DeNiro. Curiosamente, aqui é ela quem salva uma jovem que vende o corpo. Mas seria injusto comparar Erica Bain a Paul Kersey ou Travis Bickle. A protagonista de Valente não tem a frieza calculada do primeiro ou a psicose do segundo. Tem, sim, feridas e motivação. Mas essas duas qualidades não são suficientes para colocar o filme ao lado desses clássicos - ele carrega consigo problemas demais.
O maior defeito do drama do diretor irlandês Neil Jordan é o roteiro de Roderick Taylor e Bruce A. Taylor. O texto repete exaustivamente sua mensagem através de diálogos um tanto óbvios e tem um problema sério de ambientação. Parece difícil que algo como os eventos que levam à mudança de Erica no filme aconteçam na Nova York pós-Rudolph Giuliani (prefeito de NY de 1994 a 2002). Taxi Driver e Desejo de Matar eram frutos de sua época, em uma cidade completamente diferente. Há outro momento discutível, no qual Erica deixa escapar a chance de ver os responsáveis pela violência em sua vida serem punidos pela lei - o que gera outro problema na trama: Vigilantes agem quando o sistema falha. Mas o sistema em Valente é burocrático, porém competente...
Valente também termina um tanto superficial, acreditando ser mais profundo do que realmente é. O filme gostaria de ser um Taxi Driver, mas resulta pouco mais que um suspense policial comum.
Por outro lado, a dupla de protagonistas, Foster e o elegante Terrence Howard, que interpreta o detetive Sam Mercer, segura o longa até o final. Todas as cenas entre os dois excelentes atores são os pontos altos do filme. Outro momento intenso é a seqüência da violência sofrida por Erica e seu noivo. Chega a ser difícil de acompanhá-la pelo realismo - e a ciência de que qualquer habitante de uma grande cidade, especialmente as nossas brasileiras, pode sofrer tal provação a qualquer momento. Virar estatística por aqui não é difícil. Mas isso justificaria o não-cumprimento da lei?
É justamente esse dilema que escorrega pelas mãos de Jordan.