Como o próprio título diz, Versalhes (Versailles, 2008) se passa na cidade próxima a Paris que um dia hospedou a realeza francesa. Mais especificamente, acompanha pessoas que vivem na floresta que circunda os vastos jardins do luxuoso palácio. Não há, portanto, como eliminar o contexto político de Versalhes: o filme do diretor Pierre Schoeller trata daqueles que estão à margem da sociedade, literalmente.
É na floresta, quando estavam a caminho da estação de trem, depois de negar a ajuda da associação comunitária da cidade, que vão parar Nina (Judith Chemla) e seu filho Enzo (Max Baisette de Malglaive). Lá eles encontram a cabana de Damien (Guillaume Depardieu, filho do próprio), que oferece abrigo. Eremita por opção, Damien questiona por que Nina não registra Enzo e lhe garante escola, seguro social. Nina diz que não quer ser "comprada".
Versalhes
Versalhes
Coincidentemente, muito tempo depois de Nina ter abandonado o filho naquela noite com Damien, o pai improvisado terá que lidar com a mesma questão. Mas há algo de inquieto (ou de indignado) nos personagens de Schoeller que não os deixa consentir com as formalidades. Como Damien pode dar a Enzo o seu sobrenome se ele próprio optou por abandoná-lo quando se isolou no mato de Versalhes?
Não é só uma questão política, tem também algo de existencial. Schoeller investe nos dois. Inclui na história comentários políticos - quando Damien se revolta contra os moradores da cidade, é pra cima da câmera, de nós, que ele atira o carrinho de supermercado - mas deixa claro que a situação não se resume a isso. Quando finalmente ganha um banho decente e uma cama, por exemplo, Enzo diz a Damien que sente falta da cabana.
É o menino, enfim, o contrapeso do filme, e o diretor explora-lhe a imagem ao limite. Seja subindo as escadarias do palácio, seja nos constantes close-ups, jogando-lhe luz no escuro enquanto o menino olha para a câmera, ou com o reflexo da fogueira fazendo brilhar ainda mais os olhos de Enzo. Schoeller tem predileção pelos momentos de limpeza. A água no rosto e no cabelo do garoto seriam o lembrete insistente de que há uma civilidade pronta a recebê-lo de volta?
E, mais importante, questão que está acima das eventuais apelações de Schoeller: o que há nessa civilidade que tanto nos desumaniza, a ponto de muitos renunciarem a ela?