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Affonso Solano | Bloodborne e a Síndrome de Estocolmo

“Somos todos marionetes, Laurie. Eu apenas posso ver os fios.” – Dr. Manhattan

22.04.2015, às 14H02.

Bloodborne é um dos jogos contemporâneos com um dos piores game designs que já vi. Com uma jogabilidade redundante, truncada e mal planejada no mapa ergonômico do controle, ele nos apresenta uma história porcamente contada através de uma interface datada, confusa e nada intuitiva.

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E eu não consigo parar de jogá-lo.

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Bloodborne é um genial exercício interativo dos princípios da Síndrome de Estocolmo. Cunhado a partir do evento ocorrido na capital da Suécia em 1973, o termo define o estado particular daqueles que – uma vez submetidos a um período prolongado de intimidação – desenvolvem uma traumática conexão de empatia (ou até mesmo simpatia) pelo agressor, resultante de uma complexa estratégia mental de sobrevivência ao abuso. Ainda que o estado seja detectado em vitimas de violência matrimonial, reféns ou membros de cultos suicidas, a dinâmica por trás da síndrome é a mesma encontrada em Bloodborne, que testou na “série” Souls o mantra abuso-recompensa que nos conquista.

Digo “nos conquista” para reforçar que tenho ciência do meu próprio diagnóstico. Enquanto ser humano, sou escravo dos alicerces psicológicos que o jogo explora e me permito deixar levar pela jornada, ainda que esteja ciente da fórmula empregada: Bloodborne essencialmente funciona como um “Dia da Marmota”, torturando a paciência dos jogadores mais obstinados com um farming repetitivo de recursos, transformando-os aos poucos em servos obedientes de uma dinâmica preguiçosa.

É viciante.

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A constatação, contudo, costuma provocar a ira daqueles mais imersos na experiência. Alguns leitores provavelmente não passaram do primeiro parágrafo desta coluna, fechando o navegador com um furioso clique no X ao vislumbrar das primeiras blasfêmias. Sequer descobriram que estou adorando o jogo. Tendo crescido com MegaMan e Battletoads, é engraçado ouvir de um fã fervoroso o já clássico “você critica Bloodborne (ou Dark Souls) porque o jogo é muito difícil”.

Você, jovem fã, meramente adotou a dificuldade em videogames. Eu NASCI com ela, fui MOLDADO por ela. Não conheci o modo “easy” até ser um homem feito.

Um jogo “ser difícil”, a meu ver, não é mérito por si só; alcançar a dificuldade de forma criativa sim. O desafio de um bom game designer está no balanceamento inteligente da curva de aprendizado do jogador (ao contrário da desorientação por meio da falta de informação ou controles precários). Não discordo que o trauma e a frustação sejam ferramentas eficazes de aprendizado, mas talvez estejam borrando a linha entre o “desafio” e a “punição” no mundo dos videogames – o que me intriga a ponto de dividir o assunto com vocês.

Agora com licença que preciso apanhar mais um pouco do mestre.

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Affonso Solano é cocriador do Matando Robôs Gigantes, escritor do livro O Espadachim de Carvão e tem um canal no YouTube chamado Hora Super.

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