Símbolo sexual masculino do momento na cultura brasileira, atualmente no ar na novela A Regra do Jogo, o ator Cauã Reymond emprestou seu predicados (e ousadia é o mais notável deles para um galã de seu porte) ao novo filme do cineasta carioca Felipe Bragança, Curva de Rio Sujo, estabelecendo uma marcha para o Centro-Oeste do país. Rodado no Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai, o novo longa-metragem do realizador de A Alegria (2010, codirigido por Marina Meliande) é uma adaptação de contos do livro homônimo de Joca Reiners Terron, que contou ainda com Leopoldo Pacheco e o cantor Ney Matogrosso para dar vida a personagens sobre os quais Bragança faz mistério. Sabe-se apenas que o protagonista tem o mesmo nome do escritor: Joca. Na trama, ele é um menino de 13 anos apaixonado por uma jovem paraguaia. Para se aproximar de sua amada, o menino entra em conflito com o passado de sua família e com seu irmão, Fernando, um jovem motoqueiro envolvido em corridas de moto na região. Com seu charme de bad boy anunciado, o papel ficou com Cauã.
“Nos dois longas que dirigi com a Marina [o já citado A Alegria e o premiado A Fuga da Mulher-Gorila, que foi eleito melhor filme na Mostra de Tiradentes de 2009], nos meus cinco curtas e na webserie (Claun) que dirigi, sempre me encanto pelo lugar do impulso da impostura diante do controle do espírito: seja pela fuga, pelo embate físico, seja pela intervenção poética. Os atos de heroísmo desse novo filme, porém, talvez sejam mais simples: são impulsos de amor e ódio”, diz Bragança, roteirista de cults do cearense Karim Aïnouz como Praia do Futuro (2014) e O Céu de Suely (2006).
Desbravar a geopolítica o Mato Grosso do Sul foi um estímulo para o cineasta. “Saí das montanhas cariocas, cercado de mar, para uma paisagem de amplidão, secura e horizontes sem fim em Curva de Rio Sujo. Foram cinco anos de pesquisas desde que A Alegria estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, em 2010, para que meu olhar fosse se aproximando desse lugar, dessas pessoas da fronteira. É um processo lento: já filmei quase tudo, mas, ainda assim, preciso voltar lá e rodar cenas documentais e paisagens e pessoas no cotidiano da cidade. Nesse filme, a grande mitologia a que me aproximo foi a memória da sangrenta Guerra do Paraguai, travada nessa região. Essa guerra ainda esta nas entrelinhas da cultura e nos rostos das pessoas que vivem ali”, diz Bragança, que teve como diretor de fotografia o gaúcho Glauxo Firpo, do premiado Castanho (2014).
Na telona, a saga dos irmãos Fernando (Cauã) e Joca (vivido por Eduardo Macedo) parece transcender referências a arquétipos cinematográficos de dramas familiares. “O livro de contos do Joca Terron lida com suas memórias juvenis no Mato Grosso do Sul e é mediado por um imaginário que é um liquidificador de experiências vividas concretamente e de experiências projetadas para dentro do peito, a partir do cinema, da TV e dos quadrinhos que ele consumia nos anos 1970 e 1980. Aventura, velocidade, bangue-bangue... tudo isso faz parte do corpo dos personagens e de sua forma de estar no mundo”, diz Bragança, que realiza com Curva de Rio Sujo sua primeira experiência solo na direção de longas. “Esse será, quando pronto, meu primeiro longa sem dividir o set com Marina Meliande, minha principal parceira criativa desde os 23 anos. Estou com 34 anos agora. Os outros filmes, eu dirigi com ela aos 28. Talvez pela idade, sinto que estou fazendo um mergulho mais silencioso e solitário aos fantasmas de minhas referencias cinematográficas e juvenis mais pessoais”, diz Bragança. “Talvez, não à toa, este será meu primeiro filme cujos protagonistas são homens e meninos, embora as mulheres ainda sejam as guerreiras corajosas que habitam tudo que filmo e escrevo e imagino”.
Da mineira Cataguases para Lisboa
Primeiro mergulho do cinema na obra literária do mineiro Luiz Ruffato (autor de Eles Eram Muito Cavalos), o filme luso-brasileiro Estive em Lisboa e Lembrei de Você enfim está pronto para iniciar sua carreira pelos festivais brasileiros. A direção é do português radicado em solo carioca José Barahona, realizador do doc O Manuscrito Perdido (2010). A produção é baseada no romance homônimo que Ruffato escreveu para a coleção Amores Expressos e aborda a migração de Sérgio, um rapaz do interior de Minas Gerais, para Portugal, fascinado com a chance de uma vida melhor no Velho Mundo. O papel principal coube ao ator Paulo Azevedo, com MG no DNA. “Tentei retratar o espírito de êxodo que une Portugal e Brasil uma vez que o filme acaba por falar de várias vagas de migrações que existiram entre os dois países ao longo dos tempos”, diz Barahona. “Por vezes, falo disso de forma subliminar, do ponto de vista histórico. Noutras, falo através de personagens que simbolizam um determinado momento, como é o caso do Sr. Alexandre, um português que viveu grande parte da sua vida no Brasil trabalhando numa padaria ou do Dr. Fernando, nascido em Portugal, mas cuja família veio para o Brasil no final dos anos 60 escapando da ditadura de Salazar, todos representando a si próprios”.
Português radicado no Rio de Janeiro, Barahona se encantou pela trama de Ruffato pois nela encontrou meios de estabelecer pontes entre os dois países em seu trabalho. “Já tinha iniciado esse movimento no documentário O Manuscrito Perdido, e esta parecia ser a sua seqüência lógica. Além disso, queria conhecer a história de vida de tantos imigrantes brasileiros que conheci em Lisboa, mas cujo passado no Brasil eu desconhecia. Lembro de em 2004, viajando a trabalho pelo interior de São Paulo, um garçom de um restaurante me perguntar: ‘Você é português? É bom lá, né? Tenho um primo que está trabalhando em Lisboa, quem sabe eu não vou também...’. O mito de Lisboa como lugar onde se podia ‘vencer na vida’ me parecia exagerado, mas ele existia na mente de muitas pessoas. Para completar, o livro era tratado como um ‘falso depoimento’ dado por Sérgio de Souza Sampaio a Luiz Ruffato em Lisboa, no restaurante Solar dos Galegos e eu já vinha trabalhando meus documentários com uma forte componente ficcional”, explica Barahona.
Do formato literário adotado por Ruffato, o cineasta tirou a ideia de que o filme seria um monólogo de Sérgio para o espectador. “O olhar de Sérgio se dirige diretamente para a lente, e não para o diretor fora do quadro, como se faz no documentário, assumindo assim a artificialidade do cinema”, diz Barahona. “Eu vivi, a partir dos anos 1990 em Lisboa, o fluxo de uma grande migração brasileira para Portugal. O garçom do café onde vou todos os dias, a moça que trabalhava em minha casa uma vez por semana fazendo faxina e o cozinheiro do meu restaurante favorito eram brasileiros. Serginho é uma dessas pessoas. Depois, com a crise, todos voltaram para o Brasil. Com eles, muitos amigos e colegas portugueses vieram e estão ainda aqui no Rio de Janeiro ou espalhados pelo Brasil”.
Mais Ruffato
Falando no escritor, sua obra mais ambiciosa, a saga Inferno Provisório, foi adaptada para a telona também, marcando a estreia na direção de longas do mineiro José Luiz Villamarim, que dirigiu a novela O Rebu e a microssérie Amores Roubados. A versão para o cinema se chama Redemoinho e foi roteirizada por George Moura (de Linha de Passe), tendo os atores Irandhir Santos e Júlio Andrade nos papéis de dois amigos que acertam contas do passado. Cássia Kis Magro e Dira Paes também estão no elenco.
Cinema infantil
A partir desta sexta-feira, uma leva de longas-metragens animados de línguas variadas vai desfilar pela seleta de títulos do 13º Festival Internacional de Cinema Infantil (FICI), no Rio de Janeiro. Para começar a brincadeira, o evento trouxe Canção do Oceano, uma produção multinacional feita entre Irlanda, Dinamarca, Bélgica, Luxemburgo e França, sob a direção de Tomm Moore. O filme foi indicado ao Oscar este ano. O trabalho anterior de Moore, O Segredo de Kells, vai ser projetado também.O pacote inclui a aventura francesa Asterix e o Domínio dos Deuses, de Louis Clichy e Alexandre Astier, o holandês Os Bichos de São Nicolau, de Paco Vink, o finlandês Os Moomins na Riviera, de Hanna Hemila e Xavier Picard, e o brasileiro Nautilus, de Rodrigo Gava. O FICI, que segue até o dia 13 de setembro no Rio, na rede Cinemark. Na sequência, o festival arruma as malas e migra para Salvador e Aracaju(programa simultâneo de 9 a 18 de outubro) e Natal (23 de outubro a 1 de novembro).
Rota Irlandesa
Quintal do cinema brasileiro, o Canal Curta! lança nesta quinta, às 20h, a série Amores Expressos, na qual escritores de diferentes latitudes do país criam histórias (em geral de paixão) em diferentes locais do planeta, como Praga, Paris, Nova York... O primeiro da fila é Daniel Pellizzari. No programa de abertura, dirigido por Tadeu Jungle, Daniel visita Dublin, na Irlanda, e fantasia sobre seus mistérios. Sérgio Sant’Anna e Lourenço Mutarelli são os próximos da fila no seriado, que será reprisado nesta sexta às 14h e à 0h e no sábado às 16h30.
Nos rastros de Pitanga
Realizador de filmes seminais como O Invasor (2001), Beto Brant finaliza até novembro seu primeiro longa-metragem documental, Pitanga, para estrear em 2016. O objeto da produção é a vida e a carreira do ator baiano Antonio Pitanga. “Não ficou um filme de depoimentos e sim um filme de encontros. Promovi um reencontro de Pitanga com pessoas que foram importantes em sua trajetória desde que ele saiu da Bahia para atuar no Rio de Janeiro, com 25 anos”, diz Brant. “Trouxe para o filme figuras como Gilberto Gil, Martinho da Vila, Neville d’Almeida, Maria Creuza, Zé Celso Martinez Corrêa, Lázaro Ramos, Jards Macalé e Ney Latorraca. A partir do contato com eles, vemos a grande pessoa que Pitanga é e o quanto ele continua fazendo diferença a partir da militância social que faz até hoje”. Brant dirigiu a filha de Antonio, a atriz Camila Pitanga, em Eu Receberia As Piores Notícias De Seus Lindos Lábios, em 2011. Desde então, ele toca esta investigação documental sobre o pai de Camila.
Nos passos da resistência
Dono de uma carreira singular no universo brasileiro da dança, com projeção também no exterior, o grupo de dança contemporânea catarinense Cena 11 tem seu cotidiano registrado sob lentes poéticas no documentário Corpo Vodu, de Will Martins. Radicada em Florianópolis, a companhia luta há 20 anos para seguir em atividade, realizar sua pesquisa e provocar questionamentos sobre sua identidade e existência. Já licenciado para o Canal Brasil e previsto para circular ainda este ano, o longa foi viabilizado com recursos do edital Prêmio Catarinense de Cinema e é uma produção Novelo Filmes (do premiado curta Qual Queijo Você Quer) com a Onda Sonora.
DVDteca pra lá de versátil
Bunker digital de resistência na guerra pela preservação da memória do cinema, a Versátil emplaca mais uma vitória em sua peleja contra o esquecimento de clássicos e cults e lança em DVD um dos trabalhos mais ousados de Brian De Palma: Trágica Obsessão (Obsession, 1976). Na trama, inspirada em Um Corpo Que Cai, de Alfred Hitchcock, o ator Cliff Robertson interpreta um empresário que, em viagem à Itália, fica encantado por uma morena restauradora de arte (Geneviève Bujold) que se assemelha à sua finada mulher. O suspense ganha a tela conforme ele investiga quem é a jovem por quem se encantou. Também em outubro, a Versátil resgata o épico que deu ao japonês Akira Kurosawa (1910-1998) a Palma de Ouro em Cannes: Kagemusha – A Sombra do Samurai (1980). Na trama, um ladrão é escolhido para substituir um senhor feudal recentemente falecido de quem é sósia, sendo obrigado a liderar um exército de 25 mil guerreiros.
CURTA ESSA
Mangue, de Lucas Carvalho: Filho mais novo do cineasta e diretor de fotografia Walter Carvalho, o jovem jornalista Lucas exibe nesta sexta-feira, em Conservatória, no interior do Rio, na abertura do festival Cine Música, um documentário de 25 minutos sobre o legado do movimento cultural Manguebeat, surgido no inicio da década de 1990 na cidade de Recife. Esse trecho hipercolorido de ironia da história recente da MPB é revisitado pelos principais integrantes e agitadores dessa cena pernambucana. Fred 04, Jorge Du Peixe e Fábio Trummer são alguns dos entrevistados do curta, que surpreende pela maturidade na construção de uma linguagem reflexiva e pelo rigor dos enquadramentos, fugindo sempre de obviedades.
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*Com DNA luso-pop-suburbano carioca, Rodrigo Fonseca é crítico de cinema, roteirista e professor de história das narrativas audiovisuais, com dupla cidadania na Terra-Média de Tolkien, e nos rincões da Atlântida de Aquaman. Michel Gondry é o seu Godard e a pornochanchada, a sua alegria nas horas de solidão.