Ânimos em festa: o maior festival da América Latina quando o assunto é filme com massinha, desenho e bichos em 3D está começando nesta sexta. Em sua 23ª edição, o Anima Mundi (que vai de 10 a 15 no Rio de Janeiro e de 17 a 22 em São Paulo) abriu espaço para a produtora mais prestigiada do setor neste Brasilzão, a Otto Desenhos, defendida pelo curta Castillo y El Armado, de Pedro Harres, lançado no todo-poderoso Festival de Veneza em 2014. Em seus créditos de produção, está um gaúcho que, há 37 anos, milita para fazer da indústria de animação uma realidade palpável para o povo brasileiro: o cineasta Otto Guerra. Em meio ao processo de criação de seu novo filme, A Cidade dos Piratas, livremente inspirado pelos Piratas do Tietê, de Laerte, o diretor de 59 anos resolveu iniciar um outro projeto, igualmente ambicioso, com um título de fazer corar as bochechas mais protocolares dos burocratas dos editais do audiovisual: O Filho da Puta.
“Faz que o quê? É um filme sobre o filho de uma... garota de programa”, diz Guerra, conhecido por desenhos cults como Wood & Stock: Sexo, Orégano & Rock’n’roll (2006). “Este título pode até vir a ser um problema. Mas, como estamos vivendo tempos de uma caretice absurda, ele pode ser bom para abrir mentalidades”.
Referência contemporânea na arte do grafite, a paulistana Érica Maradona assina a direção de arte de O Filho da Puta. Já em desenvolvimento, o longa nasceu de um roteiro confiado a Otto pela baiana Carla Guimarães, que mora na Espanha. O diretor mudou a trama original, que se referia a retirantes nordestinos, e transportou o enredo para a realidade gauchesca com a qual é mais íntimo. Na versão de Otto, o jovem Gaudêncio é filho da prostituta Bibiana e lida mal com a profissão da mãe. Ele sai em uma viagem em busca do pai, que, dizem as lendas, mora na barriga de uma baleia. “A ideia é fazer uma animação em traço clássico, em 2D mesmo, simples mas com a criatividade visual da Érica, para brincar com essa situação careta na qual nós estamos enfiados no país. A questão é buscar um roteiro que me satisfaça e que tenha a cara do humor que quero narrar. Mudei do Nordeste aqui pro Sul porque o cinema brasileiro sempre explora essa questão dos imigrantes nordestinos. Tenho a sensação de que a realidade do Sul ainda não é conhecida nem entendida como deveria”, diz o diretor, responsável por clássicos da animação como O Natal do Burrinho (1984).
Indicado ao Prêmio Platino de melhor longa de animação por Até Que Sbórnia Nos Separe, num evento agendado para o próximo dia 18, na Espanha, Otto tenta buscar ainda uma linha narrativa para A Cidade dos Piratas, incorporando criações mais recente de Laerte a seu roteiro. “Outro dia eu vi uma cópia nova de um filme nacional chamado Copacabana Mon Amour, ligado a um movimento ao qual se dá pouco valor chamado Cinema Marginal Brasileiro [no qual diretores com pouco orçamento subvertiam fórmulas de gêneros em experiências narrativas pautadas pela ironia]. Tem O Bandido da Luz Vermelha que também é dessa linhagem. Eu queria que a minha adaptação para as HQs do Laerte tivesse uma verve de filme marginal, ainda quefake. Quero chinelagem com profundidade”, diz Otto, que completa 40 anos de carreira em 2018. “Consegui, já hoje, chegar mais longe do que jamais pude sonhar”.
Mas ao avaliar o atual cenário da animação do país, frente à ebulição prometida pelo Anima Mundi, o diretor demonstra reticências. “Ainda enfrentamos um cenário de incipiência, porque há muita produção, mas falta espaço para exibir. As séries é que vem tendo um espaço maior. Mas, na insistência, as coisas podem mudar. Estou com quase 60 anos. Já estou quase pegando ônibus sem pagar. Mas vou seguir animando”, promete Otto, para a nossa alegria.
Neville em fervura máxima
Produzido pela República Pureza (do sucesso Faroeste Caboclo), o drama A Frente Fria Que a Chuva Traz, já em fase de finalização, marca a volta do diretor mineiro Neville D’Almeida às telas após um hiato de 18 anos de exclusão. O longa é baseado na peça homônima de Mario Bortolotto, que participa do elenco no papel do segurança Vítor. Na trama, jovens de alta classe média do Rio de Janeiro (vividos por estrelas da TV como Chay Suede eJohnny Massaro) promovem festas no topo de uma laje numa favela da Zona Sul carioca, administrada por Gru (Flávio Bauraqui). Mas uma mudança climática vai ser o estopim de um conflito entre os festeiros, Vítor, o cantor de pagode Raposão (Michel Melamede) e a garota de programa Amsterdam (Bruna Linzmeyer).
Realizador de um dos maiores sucessos de bilheterias do país, A Dama do Lotação (1978), Neville vê sua volta às telas como uma chance de promover uma releitura das contradições morais do Brasil: “Neste momento em que o cinema brasileiro vive de comédias de formulas fáceis, eu proponho uma volta ao trágico, para entender nossa tragédia social. Muito antes de Cidade de Deus e de Tropa de Elite, eu já subia favelas com equipe de cinema, para filmar Rio Babilônia”, orgulha-se o diretor. “A diferença é que agora, com A Frente Fria..., eu trago a visão de uma favela cosmopolita, cheia de turistas e de ricos locais tentando cafetinar a população dos morros. Há uma convivência entre a beleza natural da cidade, a miséria social e a cafetinização pela classe média alta. É essa a novidade desse Babel Brasil em que vivemos”.
Já que o assunto veio do Bortolotto...
...o dramaturgo paranaense está em cartaz até 26 de agosto no Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio, como diretor da peça Killer Joe, Tracy Letts, filmada em 2011 por William Friedkin, com Matthew McConaughey.
Thriller à moda paraguaia
É raro ver filmes do Paraguai em circuito brasileiro. Mas o Cine Joia, misto de sala de exibição e bunker cultural do Rio, em Copacabana (já com planos de expansão para São Paulo), vai atrasar um dos melhores longas da história paraguaia nas telas: Luna de Cigarras, de Jorge Diaz de Bedoya. A trama parece El Mariachi só que é dirigido com uma sofisticação que Robert Rodriguez nunca teve (e jamais terá). No enredo, um americano viaja ao território paraguaio para fechar um negócio de terras e acaba sendo tragado para o submundo do país, em cenas recheadas de violências.
Toucinho fumeiro
Uma das produtoras de maior sucesso da história recente do cinema nacional, responsável por franquias como De pernas pro ar e Meu passado me condena (cujo volume 2 chega amanhã à marca de 1 milhão de ingressos vendidos), Mariza Leão vai levar às telinhas um seriado escrito pelo dramaturgo Jô Bilac (Cucaracha). Ele escreveu com Diogo Liberato a série Bacon, que a cineasta Julia Rezende (de Ponte Aérea) vai dirigir para o canal Universal no primeiro semestre. A sinopse diz apenas assim: “Numa selva artificial, um grupo de milionários diverte-se num jogo em que miseráveis arriscam as suas vidas”. Coautor do argumento, Pablo Sanábio é o único ator já confirmado para o elenco.
Morte a crédito
Sucesso do momento no mercado editorial brasileiro, o romance Mate-me Quando Quiser, de Anita Deak, teve seus direitos comprados pelo produtor LG Tubaldini Jr. (O Concurso) para ser transformado em filme. Na trama, uma mulher, desacreditada da vida, viaja para Barcelona, mas, antes, encomenda sua execução a um assassino de aluguel. Porém, durante a viagem, ela descobre a felicidade e não vê saída para o pacto de morte que travou. O elenco ainda não foi definido.
Um mimo na telona
Chamado originalmente de Mostra Internacional de Música de Olinda, o maior festival de sonoridades instrumentais do país, autoproclamado apenas MIMO também abre espaço generoso para filmes em sua programação. As inscrições para o Festival MIMO de Cinema vão até o dia 20 deste mês. Podem se inscrever apenas filmes com temática musical inéditos em circuito comercial. O festival será realizado em Paraty (outubro), Rio e Olinda (novembro).
Sushi Oshima
Um dos responsáveis pela modernização da estética japonesa, com filmes recheados de erotismo e de provocações à moral, o diretor Nagisa Oshima (1932-2013), autor de filmes polêmicos como O Império dos Sentidos (1976), será homenageado com uma retrospectiva completa de sua obra no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio (de 15 a 27 de julho) e em São Paulo (de 29 de julho a 10 de agosto). Entre as atrações, vai ser projetado na telona o cult Furyo, Em Nome da Honra (1983), com David Bowie.
Gramado honra Sonia Braga... mas só em 2016
Com honrarias especiais já anunciadas para o diretor Daniel Filho e para a atriz Marília Pêra em sua 43ª edição (7 a 15 de agosto), o Festival de Gramado, na Serra Gaúcha, já se antecipou e reservou um prêmio especial para a diva Sonia Braga para 2016. Como a estrela de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) vive nos EUA, a cúpula gramadense preferiu já agitar com quase um ano de antecedência um prêmio para Sonia, que acaba de fechar o papel principal de Aquarius, o novo longa-metragem do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor). No longa, a morena vive uma crítica de música que pode viajar no tempo. As filmagens começam em agosto.
Encontro de poetas
Falando em Gramado, Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, que está concorrendo este ano com Introdução à Música do Sangue, vai filmar um longa-metragem novo em Juiz de Fora (MG), em setembro: Murilo & Lúcio, Lúcio & Murilo (O Que Seria Deste Mundo Sem Paixão?). O filme marca o encontro de dois grandes escritores: Lúcio Cardoso (1912-1968), autor de Crônica da casa assassinada, e Murilo Mendes (1901-1975), que escreveu poemas em livros como Mundo Enigma. Armando Babaioff vive Lúcio e Saulo Arcoverde interpreta Murilo. Fotografado por Alisson Prodlik, o projeto é uma união de esforços entre os produtores Daniel Catatau (da Impulso de MG) e Cavi Borges (da Cavideo de RJ) com a Matinê Filmes de Bigode.
CURTA ESSA: Angeli 24h
Nesta segunda, às 14h30m, o Canal Curta! exibe o documentário que Beth Formaggini (produtora dos longas de Eduardo Coutinho) realizou com base na observação da loucura criativa de Arnaldo Angeli Filho, cartunista por trás de personagens como Rê Bordosa e Bob Cuspe. Ao longo de 25 minutos, a cineasta explora como o artista faz do caos político e existencial do país matéria-prima para suas criações. A montagem do filme é uma aula de edição, lecionada por Joana Collier e Thais Blank.
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*Com DNA luso-pop-suburbano carioca, Rodrigo Fonseca é crítico de cinema, roteirista e professor de história das narrativas audiovisuais, com dupla cidadania na Terra-Média de Tolkien, e nos rincões da Atlântida de Aquaman. Michel Gondry é o seu Godard e a pornochanchada, a sua alegria nas horas de solidão.
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