Quem conseguiu entrar no painel de 25 anos de Sandman aqui na Comic-Con, em meio a vários cosplayers dos Perpétuos, na sala 6DE do Centro de Convenções de San Diego, ouviu uma revelação: o designer e capista Dave McKean contou que Bono, o vocalista do U2, foi uma das inspirações para o visual de Morpheus na HQ.
J.H. Williams III e Dave McKean
Sam Kieth e Neil Gaiman
sandman
"Em um clipe de Bono com a [banda irlandesa] Clannad, chamado 'In a Lifetime', ele é o Sandman! Bono tem um cabelão, casacão preto, numa paisagem romântica com névoa, bem irlandesa. É ele!", conta McKean.
Além de McKean, estavam na mesa o roteirista Neil Gaiman, o desenhista original Sam Kieth (os dois só haviam se visto uma vez, há 24 anos), o letreirista Todd Klein e a editora-assistente Shelly Bond. Para completar a equipe de criação da série nos anos 1980, faltaram só a editora Karen Berger (que recentemente saiu da linha Vertigo da DC, que publicava Sandman) e o arte-finalista (depois desenhista da série) Mike Dringenberg.
O moderador pediu que cada membro da mesa lembrasse do primeiro contato com Sandman, o que levou Gaiman a falar de Orquídea Negra, primeiro projeto que a editora Karen Berger lhe passou. "E ela disse: 'É uma minissérie em formato de luxo, com uma super-heroína, e super-heroína não vende. Você e o Dave têm que fazer uma série mensal, com um personagem antigo, pra construir reputação. Escolha'", contou Gaiman - que acabou só aproveitando o nome de um personagem dos anos 1940 para criar Sandman.
Além de Bono, Gaiman, na intenção expressa de fugir do visual dos super-heróis, falou sobre a inspiração em outros astros do rock oitentista, como Peter Murphy (vocalista do Bauhaus) e David Bowie. "Alice Cooper até hoje acha que a gente se baseou nele", brincou o escritor. Nico, vocalista do Velvet Underground, foi a inspiração original para Morte sugerida por Gaiman - mas o desenhista Mike Dringenberg preferiu desenhar uma amiga.
Todd Klein disse que os balões de fala especiais de Morpheus - letras brancas sobre fundo preto - foram decisão do departamento de produção da DC. Mas Gaiman o corrigiu: "Não, foi baseado no que a gente tinha feito nos balões do Batman em Orquídea Negra".
O painel seguiu mostrando capas de edições marcantes de Sandman - a estreia de Morte, o início do arco "Casa de Bonecas", a premiada "Sonho de uma Noite de Verão", a controversa "Um Jogo de Você". Dave McKean disse que quase foi demitido das capas de Sandman após dez edições, porque Karen Berger queria que ele terminasse Asilo Arkham - mas ele correu com as capas para manter a vaga.
Gaiman faz a obrigatória média com o público da convenção: "Na época em que 'Sonho de uma Noite de Verão' saiu, eu vim à Comic-Con e as pessoas chegavam para falar comigo, apertavam minha mão, diziam (faz voz grossa): 'Você é o Neil Gaiman! Você fez mulher entrar na minha loja de quadrinho!'".
Em seguida ele conta uma história interessante: "'Um Jogo de Você' é minha história preferida da série porque é a história que todo mundo menos gosta na série (...) Ela tem uma das minhas personagens preferidas de Sandman, que é a Wanda. E o que eu mais gostava da Wanda [a personagel era transsexual] eram as cartas que vinham dos leitores. Quando saiu a primeira edição, as cartas eram 'quem é essa coisa esquisita e o que ele/ela/sei lá o quê tá fazendo nas páginas do meu gibi?' E as cartas das mesmas pessoas - só tinha umas 30 pessoas que sempre mandavam carta, todo mês - no capítulo final foram: 'Meu Deus, não acredito que cortaram o cabelo dela. Não deixaram enterrar o Barry de Wanda.' Então eu vi que fiz as pessoas mudarem de lado. Hoje, quando eu faço sessão de autógrafos, tem gente que vem falar comigo, bem baixinho, só para um chorinho no ombro, dizendo que a Wanda mudou a vida delas. Por isso que eu acho meio importante".
Após várias outras histórias sobre os anos de publicação de Sandman, o painel chegou a The Sandman Overture, a minissérie que começa em outubro e que traz Gaiman de volta à sua criação. Foram mostradas páginas inéditas da HQ desenhada por J.H. Williams III, que você confere abaixo:
Gaiman comenta o trabalho com Williams: "Foi um daqueles momentos legais em que você pede para o artista fazer uma coisa impossível e percebe que é divertido trabalhar com ele. Eu escrevi no roteiro que eu gostaria de vê-lo desenhando Morpheus como uma planta, e as folhas e o caule formariam o manto, e quem sabe um rosto feito de pétalas, mas que não parecesse bem um rosto, pois são pétalas... É o tipo de coisa que se pede a um desenhista só para botá-lo no devido lugar. Porque é certeza de que eles vão ficar insolentes em tudo mais. E ele fez o impossível".
A DC publicou um vídeo de Gaiman falando sobre o novo projeto:
O painel estava para acabar quando Gaiman resolveu dirigir-se a Sam Kieth, que não havia falado muito. "Tem uma coisa que eu quero perguntar... Como é pra você agora, ter participado dessa coisa há 25, 26 anos... O fato de que ainda não acabou, que virou isso tudo, essa enormidade, essa coisa que nós dois lançamos?"
Kieth responde: "É como ter participado dos 15 minutos iniciais de Cidadão Kane. Veio muita coisa boa depois, muitos desenhistas bons, e aí você vira uma figura venerada só por ter dito 'tem um trenó...'". O desenhista disse que era "um artista diferente, uma pessoa diferente" na época de Sandman, antes do sucesso da HQ, mas ainda assim os fãs o parabenizam pelo trabalho até hoje, "e talvez alguma hora meu cérebro vá aceitar esse reconhecimento, o que eles veem naquele pouquinho".
"Mas foi você que criou! Você criou o visual, as primeiras edições são suas!", respondeu Gaiman. Kieth ficou de olhos marejados, e aos aplausos da plateia, o desenhista só conseguiu dizer "obrigado".