Coringa chega aos cinemas em meio a um clima divisivo. Embora seja considerado um grande candidato ao Oscar 2020, o longa se vê também envolvido em uma polêmica diretamente associada à dura realidade dos massacres com armas de fogo nos Estados Unidos. Desde sua primeira exibição, a história da transformação de Arthur Fleck no icônico vilão da DC foi alvo de críticas por possivelmente incitar atos de violência. Afinal, há quem veja na revolução criada pelo personagem de Joaquin Phoenix na trama um potencial apoio a atos criminosos que já acontecem com frequência no mundo real.
Para que você fique por dentro do caso, relembre a seguir toda a controvérsia:
A ESTREIA EM VENEZA
O diretor Todd Phillips exibiu Coringa pela primeira vez durante o Festival de Veneza, onde a reação imediata do público foram oito minutos de palmas. A aclamação foi confirmada dias depois, quando o filme levou o prêmio máximo do evento, o Leão de Ouro. Porém, ainda que tudo parecesse indicar o sucesso da nova produção da DC, nem todos os críticos viram com bons olhos a nova história de origem do icônico vilão do Batman.
"Nos Estados Unidos, há massacres e tentativas de atos de violência por caras como Arthur praticamente toda semana. Ainda assim, deveríamos sentir empatia por ele, o cordeiro perturbado; ele simplesmente não teve amor suficiente", escreveu a crítica Stephanie Zacharek, da revista Time - de fato, no mês em que Coringa teve sua estreia, aconteceram dois ataques com armas de fogo, cometidos por homens com ideologias violentas. Já o artigo publicado pela Vanity Fair demonstrou preocupação de que o filme possa ser "uma propaganda irresponsável para os próprios homens que patologiza".
Estes são apenas dois exemplos de outros tantos artigos publicados pela imprensa que levantaram o debate: o filme poderia realmente incitar a violência?
REAÇÃO GERAL
A divisão dos críticos e, sobretudo, à associação feita por alguns artigos com os incels* e o volume de massacres com armas de fogo nos Estados Unidos levantou um caloroso debate nas redes sociais muito antes do lançamento oficial do longa. Em meio à toda essa repercussão, o cinema de Aurora, no Colorado, se negou a exibir a produção. O estabelecimento foi alvo de um ataque em 2012, durante a exibição de Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que deixou 12 mortos e 70 feridos.
Vítimas deste incidente, inclusive, escreveram uma carta aberta à Warner Bros. pedindo que os lucros com a bilheteria de Coringa sejam doados para vítimas de violência com arma de fogo. "Minha preocupação é que uma pessoa que esteja por aí - mesmo que seja apenas uma - que esteja no limite, querendo ser um atirador, seja encorajado por este filme. E isso me amedronta", escreveu Sandy Phillips, mãe de uma garota de 24 anos que foi assassinada no local.
Diante da controvérsia, o FBI e o exército americano assumiram posturas precautórias depois de encontrarem publicações extremistas feitas por usuários classificados pelas instituições como incels. Assim, os oficiais foram instruídos para ficarem atentos para possíveis ataques.
A polícia de Nova York, por sua vez, organizou uma operação especial para a semana de estreias de Coringa, colocando policiais à paisana em salas de cinema ao redor da cidade. "Essa é uma abordagem policial de 360 graus para garantir a segurança de quem for aos cinemas, e também das pessoas nas ruas", disse um guarda policial ao Deadline.
O debate, embora acalorado nos Estados Unidos, não se estendeu até o Brasil. Aqui, o filme tem classificação indicativa para maiores de 16 anos.
*Incels: termo inglês que designa "celibatas involuntários", isto é, pessoas que se consideram incapazes de encontrar um parceiro sexual e amoroso e que culpam a sociedade por isso valendo-se de argumentos misóginos.
WARNER BROS. SE POSICIONA
Diante da reação das famílias das vítimas do atentado de Aurora, o estúdio divulgou um comunicado oficial, no qual garante que o filme não tem como objetivo transformar o icônico vilão em uma figura heroica.
"Violência com armas de fogo é uma questão crítica na nossa sociedade e estendemos nossos mais profundos sentimentos a todas as vítimas e famílias que foram impactadas por essas tragédias", disse o estúdio, lembrando que tem um longo histórico como doador em casos envolvendo vítimas de violência, incluindo os afetados em Aurora. "Ao mesmo tempo, a Warner Bros. acredita que uma das funções de contar histórias é provocar conversas difíceis sobre questões complexas. Não se engane: nem o personagem ficcional Coringa, nem o filme são um apoio à violência no mundo real".
COMO TODD PHILLIPS ENXERGA A CONTROVÉRSIA
Diante das críticas negativas e do burburinho nas redes sociais, o diretor Todd Phillips pediu que o público desse uma chance à produção e tirasse suas próprias conclusões. "O filme trata da falta de amor, trauma da infância e falta de compaixão no mundo. Acredito que as pessoas conseguem aguentar essa mensagem", afirmou ao IGN. "Para mim, a arte pode ser complicada e, às vezes, a arte é feita para ser complicada. Se você quer arte descomplicada, talvez você deva ter aulas de caligrafia, mas fazer cinema é sempre uma arte complicada".
Dias depois, Phillips voltou a comentar a polêmica, dessa vez levando em consideração à carta aberta dos familiares das vítimas do ataque de 2012. “O que aconteceu em Aurora é obviamente uma situação horrível, mas mesmo aquilo não foi culpa do filme. Francamente, você pode fazer sua própria pesquisa sobre Aurora, que o cavalheiro não estava nem vestido como Coringa, isso foi um engano. Seu cabelo estava pintado de vermelho e ele estava obviamente em meio a um colapso mental e foi algo terrível, mas não há relação a não ser ter acontecido em um cinema”, afirmou à Associated Press.
Já sobre a violência explícita em Coringa, o diretor questionou por que ela não é tratada como um problema também em filmes como John Wick, franquia de ação estrelada por Keanu Reeves. "O que me intriga é sobre essa masculinidade tóxica branca. Quando você diz ‘oh, acabei de ver John Wick 3’, ele é um homem branco que mata 300 pessoas e todo mundo ri, torce e vibra. Por que esse filme é pautado em parâmetros diferentes? Honestamente não faz sentido para mim".
E JOAQUIN PHOENIX?
No primeiro momento, Joaquin Phoenix não estava muito confortável para falar sobre o assunto. Questionado pelo The Telegraph sobre as sugestões de que Coringa incitaria a violência, o ator deixou a entrevista e retornou apenas uma hora mais tarde, depois da equipe da Warner o convencê-lo.
Dias depois, ao IGN, Phoenix mostrou-se com um posicionamento semelhante ao de Phillips. Para o ator, a maior parte do público sabe diferenciar o que é certo e o que é errado. As exceções à regra, então, seriam capazes de interpretar qualquer coisa como bem entendessem. "As pessoas interpretam mal letras de músicas, passagens de livros. Então não acredito que seja responsabilidade do cineasta ensinar moralidade ou a diferença de certo e errado. Quer dizer, para mim, isso é óbvio".
À Vanity Fair, ele ainda disse: "há tantas maneiras de olhar para o personagem. Você pode vê-lo como alguém que, como todo mundo, precisa ser ouvido, compreendido e ter uma voz. Ou você pode dizer que é alguém que precisa de uma quantidade desproporcionalmente grande de pessoas fixadas nele. Sua satisfação vem enquanto está no meio da loucura".