Aproveitando a estreia de Destacamento Blood, as Dicas do Hessel nesta semana fazem o papel do famoso algoritmo e sugerem outras obras de Spike Lee ou relacionadas ao seu cinema, para quem gostou de ver os filmes mais populares do diretor, como Faça a Coisa Certa, O Plano Perfeito e Infiltrado na Klan.
Como Lee costuma trabalhar em parceria com a Amazon e a Netflix para viabilizar seus trabalhos, a oferta de seus filmes no streaming brasileiro é bem variada - tem os sucessos e tem os menos conhecidos, alguns deles listados aqui. Através deles é possível entender por que este diretor de 63 anos é considerado uma das principais vozes dentre os grandes cronistas da cultura negra americana. Boas sessões e não deixe de assinar nossa newsletter para receber as dicas antes de todo mundo.
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Ela Quer Tudo
O filme que começou tudo (e recentemente virou série). É como se Spike Lee filmasse o Manhattan de Woody Allen do ponto de vista da gente "comum", nas ruas, lofts e parques do Brooklyn. Esta comédia romântica sobre um quadrado amoroso feminista, primeiro longa de Lee, já tem elementos que se repetiriam em outros filmes do cineasta, como a análise sensual dos afetos e das pulsões sexuais dentro do recorte da comunidade negra novaiorquina, e também a presença do próprio diretor em cena, sempre fazendo o tipo à margem, malandro e falador, e que transita entre os outros núcleos de personagem (função que o Lee ator exerce com fins distintos também em Faça a Coisa Certa e Malcolm X, entre outros).
Disponível na Netflix.
A Última Noite
Lee já era uma autoridade entre os cineastas negros americanos quando realizou este drama criminal baseado no romance homônimo de David Benioff, um dos criadores de Game of Thrones, e com ele provou de vez sua capacidade para lidar com materiais de outros autores e também com temas fora do seu nicho esperado. A Última Noite coloca Edward Norton no papel de um novaiorquino que aproveita suas últimas 24 horas em liberdade para acertar contas, antes de ser preso e servir uma sentença de sete anos por tráfico. O longa já estava sendo desenvolvido quando aconteceu o ataque às Torres Gêmeas; Lee incorporou esse elemento ao filme e o resultado é um dos primeiros e melhores filmes do período a capturar o clima de luto e melancolia que tomaria então o país.
Disponível no Telecine.
Chi-Raq
A influência do feminino sobre o imaginário negro sempre esteve presente nos filmes de Spike Lee, mas neste drama com tons de sátira o cineasta coloca essa questão no centro da trama. Inspirado na comédia grega Lisístrata, sobre uma greve de sexo promovida por mulheres para interromper a guerra entre Atenas e Esparta, o filme desloca ação para a guerra de gangues na Chicago de hoje. Lee não apenas busca o respaldo dos mitos ocidentais para engrandecer o relato (o que também se vê em outras obras) como dá conta de um momento histórico em que mulheres como Beyoncé e Rihanna se firmam como as principais vozes e corpos desse imaginário, e os melhores momentos de Chi-Raq não seriam outros senão aqueles que se organizam como números de um musical (além da força dos diálogos já escritos em verso rimado).
Disponível na Amazon Prime Video.
Pass Over
Falando em mitos, temos aqui a história de dois negros que evocam a travessia do Rio Jordão pelo povo judeu e sonham, também, em chegar à terra prometida. A "travessia" do título, no caso, é deixar o gueto e reivindicar para si um lugar de direito nos EUA, sem marginalização, mas os dois personagens percebem que essa transição tem uma série de obstáculos estabelecidos. Spike Lee filma a peça que Antoinette Nwandu escreveu como reação ao assassinato de Trayvon Martin em 2012, e Pass Over consegue ir além do mero teatro filmado porque Lee emprega na direção as ferramentas mais eficientes do seu arsenal conhecido, como os ângulos de câmera baixos, a repetição de planos e a aceleração da montagem para dar um ritmo forte à musicalidade natural das trocas entre os ótimos atores Julian Parker e Jon Michael Hill.
Disponível no Amazon Prime Video.
Mais e Melhores Blues
Ensanduichado entre os filmes mais potentes do cineasta no começo de carreira - Faça a Coisa Certa, Malcolm X e Febre da Selva -, este drama sobre um trompetista e seus parceiros na cena do jazz do Brooklyn acabou desbotando suas muitas cores com o tempo. É, porém, um registro importante por se tratar da primeira parceria de Lee com Denzel Washington, e no geral Mais e Melhores Blues é um grande balão de ensaio para coisas que seriam melhor desenvolvidas em Malcolm X, como o flashback "fundador" de ponto de partida da trama e o aproveitamento de Lee em cena como contrapeso para as viradas de personagem de Denzel. O que não envelhece neste filme de 1990 é a música, que tem o trompetista Terence Blanchard e o quarteto de Branford Marsalis "dublando" a banda protagonista, além da trilha sonora de Bill Lee, baixista de formação e pai de Spike Lee e da atriz Joie Lee. Realizado pouco antes da relação dos dois azedar, Mais e Melhores Blues é a última colaboração de Bill nos filmes do filho.
Disponível no Telecine.
Rodney King
Mais ou menos na mesma época em que realizou Pass Over, Spike Lee se associou ao ator Roger Guenveur Smith para filmar um monólogo de Smith que reconstitui o caso Rodney King desde as vésperas da prisão, passando pelo espancamento, até a repercussão na mídia e nos protestos em Los Angeles em 1992. Esses dois especiais de teatro filmado são, juntos, uma bela demonstração de como o cinema de Lee está centrado no verbo e depende dele para se amplificar. Inclusive, assim como em Pass Over, vemos em Rodney como Spike Lee volta à repetição de planos e à montagem ritmada para cadenciar os cortes a partir do fluxo do monólogo, e sempre é prazeroso perceber essa sintonia: o trabalho do ator se potencializa na montagem das obras do diretor. No mais, Rodney é um Spike Lee em território conhecido (quantas formas o cineasta ainda será capaz de encontrar para representar visualmente o vermelho e o azul das viaturas policiais?).
Disponível na Netflix.
Um Crime Americano
Se faltou entender melhor a história de Rodney King - que afinal está localizada num ponto de virada da carreira de Spike Lee e indiretamente ajudou a definir seu cinema no começo dos anos 90 - este documentário é muito direto e relevante para compreender a importância do caso. Imagens de arquivo inéditas são o forte do filme de Daniel Lindsay e T.J. Martin, vencedor do Emmy. Depois dos protestos de Chicago em 1968 na época da morte de Martin Luther King, provavelmente a revolta de Los Angeles em 1992, após o julgamento deste outro King, é o grande evento de caos urbano que marcou o século 20 nos EUA em relação à luta pelos direitos civis dos negros e contra a violência policial.
Disponível na Netflix.