Billy Wilder dirigiu quase trinta filmes e escreveu cerca de setenta. Assim como os diretores que mais admirava (e com quem trabalhou), Howard Hawks e Ernest Lubitsch, passeou por todos os gêneros cinematográficos, fez comédias, filmes de guerra, suspenses e dramas. Pouca coisa, fora os mais clássicos, estava disponível em DVD ou mesmo VHS no Brasil, mas agora com duas novas caixas e uma série de edições especiais, já dá para pensar em bolar aos poucos e fora da ordem cronológica uma lista completa de seus filmes.
A série está crescendo. Depois de uma estréia com Pacto de Sangue e Cinco Covas no Egito, uma segunda edição com A Incrível Susana e Sabrina e uma sequência que teve Primeira Página e Se Meu Apartamento Falasse, estamos de volta com mais dois clássicos:
Billy Wilder
Billy Wilder
Irma la Douce
(Idem, 1963)
Em Irma la Douce, Billy Wilder traz de volta a dupla Jack Lemmon e Shirley MacLaine (Se Meu Apartamento Falasse), em um roteiro que MacLaine sequer leu antes de aceitar o papel - ela apenas confiava na dupla Lemmon e Wilder. Nesta comédia, Nestor Patou (Jack Lemmon) é um policial honesto e ingênuo que acaba se apaixonando por Irma La Douce (Shirley MacLaine), a prostituta local. Após confrontar Hippolyte, "o Boi", acaba virando o cafetão de Irma, mas há um problema: ele é ciumento. Não suporta ver Irma com outros homens. Desesperado, Nestor encontra uma saída: "Irma vai ter um amante rico, e serei eu!". O policial se disfarça de lorde inglês e vira o único cliente de Irma, mas a exclusividade lhe custa caro e ele passa a ter ciúmes do lorde, ou seja, de si mesmo. Então planeja matá-lo.
Segundo o trailer, é uma "história de paixão, sangue, desejo e morte, ou seja, tudo o que faz a vida valer a pena". Apesar de não ser reconhecido pela crítica, Irma la Douce foi um dos grandes sucessos de bilheteria do diretor, e só não vingou na França. É uma comédia romântica, sim, mas muito incomum; são 147 minutos de um enredo absurdo e delirante, em que os roteiristas Billy Wilder e I.A.L. Diamond parecem querer, a toda hora, atingir o limite de loucura que a situação poderia levar. E acreditem, a tolice amorosa de Jack Lemmon vai longe.
Um dos destaques do filme é o dono do bar, Moustache (Lou Jacobi), que comprou o estabelecimento já com o nome de Chez Moustache e, portanto, achou mais barato deixar crescer o bigode do que comprar outro letreiro. Segundo as autoridades, ele é um ladrão de galinhas romeno chamado Constantinescu, e também foi professor de economia na Sorbonne, crupiê em Montecarlo, coronel da Legião Estrangeira em Marrakesh, soldado em Dunquerque, um dos maiores advogados criminalistas da França e chefe da obstetrícia na África Equatorial Francesa com o dr. Schweitzer... "mas isso é outra história".
Cena: Shirley MacLaine dançando em cima do balcão do bar, com os sapatos na mão.
Objeto de cena: meias verdes de Shirley MacLaine
Frase:Irma: "Um pintor morou aqui. Coitado, passava muita fome. Tentou de tudo, até cortou a orelha fora."
Nestor: "Van Gogh?"
Irma: "Não, acho que o nome dele era Schwartz."
Amor na Tarde
(Love in the Afternoon, 1957)
Em entrevistas, Billy Wilder dizia que a receita de um bom roteiro está no enredo. "Atmosfera, intriga, ela vai matá-lo, ele vai matá-la, meu Deus, o que irá acontecer com o filho ilegítimo... não interessa o quê, mas que agarre o espectador", ele afirmava. Nesta comédia romântica de duas horas e dez minutos de duração, Wilder agarra o espectador com um enredo minuciosamente esculpido: Ariane Chavasse (Audrey Hepburn) é a filha de um detetive particular (Maurice Chevalier) que investiga casos de adultério. A inocente Ariane se envolve num desses casos, o de Frank Flannagan (Gary Cooper), um solteirão mulherengo que se hospeda no Ritz e seduz mulheres casadas. Ariane se apaixona pelo americano e, para provocar ciúmes, inventa que é uma mulher experiente.
Numa das melhores cenas do filme, Frank ouve uma gravação muito séria sobre quantos homens Ariane já teve na vida "aqui vai uma lista daqueles de que me recordo". São dezenove itens que começam com um professor de álgebra ruivo e terminam com um alcoólatra holandês, passando por um rapaz adorável que agora é missionário na África Equatorial Francesa e um guia alpino de joelhos bonitos. Aos poucos, Frank vai ficando mais indignado e segue-se uma cena muda, à la Lubitsch, em que ele compartilha a bebida com o quarteto de músicos ciganos. Estes, aliás, têm um papel importante na trama: muitas das canções substituem cenas diretas ou explicações do que está acontecendo atrás da porta.
Filmado em preto-e-branco, Amor na Tarde foi um fracasso de público e crítica, talvez por causa da diferença de idade do casal protagonista (28 anos). A má fama é injustificada. Trata-se de uma ótima comédia romântica do diretor, com um certo ar antigo mas cheia de malícia, como é natural.
Cena: Ariane perde um dos sapatos ("tem certeza de que você veio com os dois?") e o procura debaixo da mesa, com a ajuda de Frank.
Objeto de cena: a caixa do violino
Frase:Ariane: "Quando você trabalha?"
Frank: "Quando não estou ocupado."
Para saber mais sobre Billy Wilder, leia o excelente ensaio biográfico escrito pelo jornalista Roberto Elísio dos Santos em homenagem ao centenário do cineasta.