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Se você, como o magrelo e risonho Esqueleto, não acredita em Deus mas acredita na ciência, já está a um passo da constatação: Nacho Libre deve muito ao ator Jack Black (King Kong, O amor é cego), a divindade carismática da comédia hollywoodiana, mas não seria o melhor filme do gênero em 2006 se não fosse a sapiência cartesiana e a mundana insolência do diretor Jared Hess.
Ao mesmo tempo em que Nacho chega às locadoras, está saindo também o primeiro longa de Hess, Napoleão Dynamite. É a chance de perceber a sua linha autoral. Há muitos cineastas que exploram estereótipos para fazer graça. Hess leva essa idéia ao extremo - as minorias, os disprivilegiados, os marginalizados são, nos seus dois filmes, tratados ao mesmo tempo com escárnio e com carinho.
No filme, Black vive Ignacio, um padre mexicano que à noite veste a máscara de Nacho e participa de lutas-livres para ajudar o orfanato do monastério em Oaxaca. A primeira cena de Esqueleto (Héctor Jiménez), personagem que se tornará parceiro de luta de Nacho, é um exemplo limítrofe do estilo de Hess. Ignacio acabou de pegar a doação diária do saco de batata chips que sempre leva de bicicleta para os órfãos. Eis que Esqueleto ataca, pulando, grunhindo e mordendo como um macaco, puxando o cabelo de Ignacio e tomando-lhe a comida.
Se associar chicanos com primatas é, na sua opinião, um tipo de preconceito que não serve nem pra fazer piada, então passe longe do filme. O caso é que Hess, apesar de zoá-lo, adora Esqueleto - e, mais importante, aos poucos nos ensina a adorá-lo também. A relação de amor e ridicularização acompanha todos os outros personagens, desde o inglês que Jack Black fala errado, com sotaque espanhol, até o pequeno Chancho (Darius Rose), moleque gordo que não demora a virar um mini-herói também.
O lance de Hess desde Napoleão Dynamite é oferecer a cada um dos excluídos a chance de uma redenção. Por trás do aparente deboche há uma solidariedade imensa - e é essa a mágica que Nacho Libre opera no espectador, transformando a mais batida fórmula do self-made man, a da superação estilo Rocky, em uma coisa original. Nesse ponto, é uma reciclagem tão competente quanto Escola do Rock. Nada disso seria igual, sublinhe-se, se não fosse o poder da gema do ovo de águia, os eagle powers.
Claro que entra aí a atuação inspirada do protagonista, emoldurada pelo domínio de Hess do timing das piadas e da composição do enquadramento. O jeito de Black andar, saltar, pronunciar palavras com caretas diferentes... Tudo isso se potencializa, por exemplo, quando o diretor injeta uma câmera lenta, estende o tempo do plano ou filma uma gag à distância.
Toda a sequência do deserto é hilariante. Black incorpora o chavão do loser-que-dá-a-volta-por-cima com a maior liberdade, rindo das convenções do subgênero. Quando achamos que já é tempo de a dupla ganhar uma no ringue (afinal, uma hora a redenção tem que aparecer), eles se ferram de novo, e Nacho não se conforma: Man... We suck!. De certa maneira, ele está dialogando (ou discutindo) com a própria estrutura do filme, como se soubesse que há esperando por ele uma conquista que nunca chega.