Dado o cenário mundial de 2020, era claro que a edição deste ano do Emmy precisaria se adaptar. No entanto, quando foi anunciado que a cerimônia manteria seu aspecto ao vivo mesmo com os protocolos de isolamento social, muita gente coçou a cabeça. Afinal, muitos elementos da premiação – incluindo a reação dos vencedores – dependem, em teoria, da presença dos astros que tradicionalmente se reúnem para festejar as melhores produções televisivas do ano. Felizmente, a festa comandada por Jimmy Kimmel deu um jeito de funcionar mesmo com grande parte dos indicados presos em suas casas.
Embora o apresentador da cerimônia tenha questionado “o que pode dar certo?” em um programa organizado de centenas de lugares diferentes, os produtores do Emmy 2020 conseguiram encontrar humor na situação. Desde o discurso de abertura, no qual Kimmel “conversou” com uma plateia digital, ficou perceptível que, mesmo levada a sério, a pandemia seria incorporada como parte do show. Realização de testes ao vivo, esterilização de envelopes e um troféu personalizado com álcool gel deram graça a uma apresentação que poderia, sob outra liderança, perder a atenção do espectador já em seus primeiros minutos.
A presença 100% digital dos indicados ainda adicionou outro elemento divertido à quase sempre protocolar premiação: a expectativa para que algo dê errado na casa dos famosos. Filhos, animais de estimação e telefones tocando eram um “risco” para a sequência tranquila do programa, mas uma aproximação bem-vinda por parte do público que, preso em casa há seis meses, poderia se identificar com as estrelas da telinha.
O registro mais próximo dos indicados ainda deu espaço para reações mais honestas de vencedores e seus familiares. Seja o grito de celebração de Yahya Abdul-Mateen II, a festa da família de Zendaya ou Uzo Aduba dizendo “mãe, eu ganhei”, a distância imposta ao Emmy 2020 ajudou a humanizar cada um dos vencedores, estivessem vestidos em roupas de gala ou ostentando um confortável pijama.
O menor controle da produção sobre o guarda-roupa de apresentadores e indicados permitiu que o Emmy deste ano ficasse ainda mais politizado que o normal. Realizadaa menos de dois meses da eleição presidencial norte-americana, a premiação abriu espaço para que os vencedores, incluindo Mark Ruffalo, Zendaya, Dan Levy e os produtores de Succession chamassem atenção ao conturbado cenário político e social dos Estados Unidos. O movimento Black Lives Matter também foi bastante presente na cerimônia. Além dos diversos discursos que chamavam a atenção à luta racial, as premiadas Regina King e Aduba aproveitaram a ocasião para protestar contra a ineficiente investigação no caso Breonna Taylor, jovem negra morta por policiais a tiros dentro de sua própria casa.
Embora o Emmy tenha ficado preso a apresentações pouco inspiradas em suas duas últimas edições, a imprevisibilidade da cerimônia de 2020 tirou a festa da Academia de Artes e Ciências Televisivas do marasmo. Mesmo a complicada entrega dos troféus, com funcionários marcando presença na porta de quase todos os indicados, rendeu momentos brilhantes de humor nos bastidores, como quando Ramy Youssef registrou um dos entregadores indo embora com uma estatueta após sua derrota na categoria Melhor Ator em Série de Comédia.
Como bem disse Kimmel em diversos momentos da noite, a edição de 2020 do Emmy tinha absolutamente tudo para dar errado. Felizmente, a produção soube aproveitar as dificuldades da vida real e transformá-las momentos preciosos de humor e identificação, algo raro nos últimos anos da premiação. Com sorte, a Academia aprenderá com seus acertos e aproveitará as divertidas lições que tirou deste ano nas próximas cerimônias.