"É preciso estar em estado de alerta, a comunicação não pode parar nunca. Não dá para relaxar. Tem que ficar o tempo inteiro explicando para a sociedade a importância da cultura e como ela funciona". Esta é a resposta que a diretora Laís Bodanzky espera do novo Ministério da Cultura, recriado há pouco mais de 100 dias, e a razão não deve ser um mistério para você, leitor. Mais do que extinguir a pasta na reforma administrativa de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou — ou, em alguns casos, deixou de adotar — uma série de medidas que prejudicaram o setor em um momento especialmente delicado: a pandemia.
Talvez o dado que melhor dê a dimensão deste descaso seja a comparação entre o chamado orçamento secreto e o orçamento destinado à Cultura. De acordo com levantamento feito pela revista Piauí, entre junho e dezembro de 2022, Bolsonaro liberou R$ 7 bilhões para as emendas de relatores, valor três vezes maior do que o total destinado para a Cultura naquele ano inteiro, que foi de R$ 1,67 bilhão. Deste tanto, apenas R$ 89,5 milhões foram usados efetivamente para o financiamento de projetos culturais — um montante que, por si só, foi 63% inferior ao gasto em 2018. O restante, em sua maior parte, foi aplicado na administração interna da Secretaria. Quer dizer, a Cultura definitivamente não foi uma prioridade naquele governo, e Bolsonaro deixou isso claro em toda oportunidade que teve.
A atual crise é, contudo, mais profunda do que “apenas” orçamentária. É, sobretudo, simbólica. As ideias designadas pelas palavras “artista” e “vagabundo” se aproximaram no imaginário coletivo. A Lei Rouanet virou sinônimo de roubo e corrupção, muito embora ninguém saiba muito bem como ela funciona. Em resumo, a arte foi criminalizada — ainda que não do ponto de vista jurídico, mas discursivamente. E a verdade é que continua a ser. Em janeiro, tão logo a ministra Margareth Menezes anunciou o desbloqueio de R$ 1 bilhão via Rouanet — aprovados no ano anterior, mas mesmo assim retidos —, o ex-presidente declarou: “recomeçou a festa”. O efeito desse sermão, reincidente e equivocado, no entanto, ficou evidente semanas antes, quando obras e artefatos históricos, verdadeiros patrimônios nacionais, foram depredados nos chamados “atos” de 8 de janeiro.