O Festival de Cannes, cuja 75ª edição acontece a partir de terça-feira (17) na Riviera Francesa, gera a mesma empolgação em determinados fãs de cinema quanto a CCXP e a Comic Con de San Diego nos fanáticos pela cultura pop. Só que, em vez de se entusiasmarem com o novo filme da Marvel ou da DC, esses cinéfilos ficam ansiosos pelo mais recente do David Cronenberg, do Hirokazu Kore-eda ou dos irmãos Dardenne, todos cineastas que competem pela Palma de Ouro neste ano.
Mas engana-se quem imagina que Cannes é só dos chamados cineastas autorais. Todo o mundo quer tirar uma casquinha de um dos eventos cinematográficos mais prestigiosos do mundo. E o evento também adora ter famosos no seu imenso tapete vermelho em forma de escadaria, que faz inveja ao do Oscar. Nesta edição, por exemplo, Tom Cruise é um dos grandes destaques. Ele apresenta Top Gun: Maverick e ainda participa de uma masterclass.
Baz Luhrmann, que abriu o Festival de Cannes duas vezes, a primeira com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, e a segunda com O Grande Gatsby, desta vez vem com Elvis, sobre a relação de Elvis Presley (Austin Butler) com seu empresário, “Coronel” Tom Parker (Tom Hanks). Mas não na abertura: esta ficou a cargo de Final Cut, do francês Michel Hazanavicius, que saiu de Cannes com seu O Artista em 2011 para conquistar o Oscar de melhor filme no ano seguinte.
Depois de exibir seu último longa, Mad Max: Estrada da Fúria, em 2015, e ser presidente do júri no ano seguinte, George Miller volta a Cannes com Three Thousand Years of Longing, com Tilda Swinton e Idris Elba no elenco. Como Top Gun: Maverick, Elvis e Final Cut, o filme também passa fora de competição. Tem espaço também para séries, como Irma Vep, a versão que Olivier Assayas fez para seu próprio filme, agora estrelada por Alicia Vikander e que será exibida na HBO Max. Foi por causa de dois filmes do diretor francês (Acima das Nuvens e Personal Shopper) que Kristen Stewart finalmente conquistou respeito nos Estados Unidos.
E Cannes tem lugar também para atores de fenômenos mundiais do streaming estrearem seu primeiro longa atrás das câmeras. Lee Jung-jae, de Round 6, apresenta seu Hunt fora de competição. Com a crise mundial no cinema, especialmente para filmes que não se chamam Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, o Festival de Cannes quer mostrar que também é para os jovens. Um concurso vai escolher o melhor filme para TikTok, e a companhia Brut. também virou parceira do evento. Ela vai levar a experiência do festival para dentro do universo de Fortnite.
Mas o Festival de Cannes continua prestigiando os chamados autores do cinema. Para eles, é tão importante participar do mais prestigiado festival de cinema do mundo que a organização mudou a programação para a imprensa só para não estragar a sessão de gala dos longas em competição. Até 2018, os jornalistas viam os filmes antes da glamurosa exibição no Grand Théâtre Lumière. Mas, quando os críticos não gostavam das obras, o diretor, os atores e parte das equipes tinham de enfrentar a cerimônia depois de ler as resenhas pouco elogiosas, sem contar os comentários nas redes sociais. Por causa disso, desde 2019 a imprensa vê o filme no mesmo horário da gala e só pode escrever depois do início da sessão oficial.
E antes que alguém ache que as críticas não deveriam importar tanto assim, a verdade é que, para esses cineastas e esses filmes, elas são fundamentais. Cannes é a grande vitrine mundial do chamado cinema de autor – para muitos, ganhar um troféu lá é melhor do que vencer o Oscar. O sucesso em Cannes faz com que as produções sejam vendidas para distribuição em diversos países. Além disso, elas continuam percorrendo festivais ao longo do ano: para ficar só na premiação de 2022, tanto Drive My Car, de Ryusuke Hamaguchi, quanto A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier, saíram com troféus de Cannes em 2021.
Neste ano, são 21 longas na competição oficial. Entre os candidatos à Palma de Ouro, estão Armageddon Time, uma produção da brasileira RT Features, de Rodrigo Teixeira, dirigida por James Gray e estrelada por Anne Hathaway, Anthony Hopkins e Jeremy Strong, e Crimes of the Future, de David Cronenberg, mais um diretor queridinho para a coleção de Kristen Stewart. Michelle Williams colabora novamente com Kelly Reichardt em Showing Up, enquanto Margaret Qualley e Joe Alwyn estrelam Stars at Noon, de Claire Denis.
A competição é apenas uma das várias mostras oficiais do Festival de Cannes. Há a seção Um Certo Olhar, também competitiva, dedicada a cineastas em geral mais jovens, e a Cannes Première, com trabalhos de diretores consagrados. As sessões especiais incluem animações e documentários – neste ano, um dos destaques é o filme de Ethan Coen sobre Jerry Lee Lewis. Os curtas-metragens têm duas competições: a oficial e a da Cinéfondation, com obras vindas das faculdades de cinema.
A mostra Cannes Classics traz clássicos restaurados e documentários sobre atores e diretores. Neste ano, há a comemoração dos 70 anos do musical Cantando na Chuva e uma cópia nova do brasileiro Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.
Tem até cinema na praia, à noite, de graça para quem quiser assistir. Na programação desta edição, E.T., o Extraterrestre, de Steven Spielberg, e O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, entre outros.
Cannes também abriga na mesma época as mostras paralelas, como a Quinzena dos Realizadores, que neste ano exibe Men, de Alex Garland, e a Semana da Crítica. E ainda um mercado, em que a maior parte das produções exibidas no festival e outras ainda na fase de roteiro tentam atrair investimento de todas as partes do mundo.
O Festival de Cannes é arte, entretenimento e indústria. Em 2022, ele ocorre entre 17 e 28 de maio.