Anualmente a indústria e os cineastas independentes se reúnem em Cannes por duas semanas para debater o cinema, o mercado audiovisual e exibir em primeira mão seus trabalhos mais recentes. Para acompanhar isso, o Omelete enviou o repórter Caio Coletti, que produziu críticas dos principais títulos exibidos no festival, entre eles Megalopolis, Furiosa e mais! Confira:
Le Deuxième Acte abre Cannes nos dizendo que, na verdade, o cinema não importa
Na esteira da cerimônia de abertura pomposa e sentimental do Festival de Cannes 2024, assistir a Le Deuxiéme Acte, o filme de abertura do evento, foi uma experiência curiosa. Após pouco mais de uma hora de discursos emocionados e declarações de amor ao cinema, esta grande forma de arte que nos une como seres humanos, a comédia carregada de metalinguagem do diretor francês Quentin Dupieux serviu como um contrapeso para toda a pretensão que é natural de um dos maiores eventos do calendário cinematográfico europeu. Isso porque Le Deuxiéme Acte não só se localiza em um espectro contrário ao do “Filme Importante™”, como estamos acostumados a definí-lo, mas também questiona a noção inflada de auto-importância da indústria cinematográfica como um todo.
No cabo de guerra entre condescendência e empatia, Diamant Brut só sai perdendo
A arte pode ser feia? A arte sobre coisas feias precisa ser feia? Qual é o ponto da arte feia, da arte da indignidade, da sujeira, do degradamento moral e físico do ser humano? Se o ponto é nos mostrar que a feiura existe, oras, isso a gente já sabe. Que existe o mal, que o mal nasce dos cantinhos escuros e úmidos da estrutura socioeconômica desumanizada na qual se apoia o mundo contemporâneo, que esse mundo corrompe e separa, ao invés de cultivar e unir… tudo isso, a gente já sabe. E não é que haja algo de errado com o cinema que nos diz o que a gente já sabe, mas em certo ponto, depois de tantas reiterações das mesmas histórias, continuar mostrando a podridão do mundo se torna uma estratégia de cortejo do prestígio mais do que uma missão honrada do artista.
Eu não sei o que pensar de Megalopolis - mas quero que você não saiba também
Filmes perfeitos não existem, e isso já é um clichê recorrente da crítica de cinema. O que se fala menos nesses círculos, no entanto, mas é igualmente verdadeiro, é que filmes muito próximos do perfeito são, na verdade, bastante chatos. É fácil de identificar quando uma obra foi objeto de obsessão do seu autor, quando ele foi consumido não só pela necessidade de realizar tudo milimetricamente como imaginou, mas também pela necessidade de controlar a forma como o produto de sua imaginação seria recebido. Estes filmes sempre resultam em experiências cansativas, de intensa negociação entre uma visão artística e as mil e uma “podagens” pelas quais ela passa para ser aceita como “grande obra”. Muitos desses filmes são ótimos, mas poucos são excitantes.
Furiosa é filme de gênero “raiz” - e, até por isso, não vai agradar todo mundo
Em alguns momentos de Furiosa: Uma Saga Mad Max, eu me peguei pensando no quanto o longa me lembrava os trabalhos de Russell Mulcahy, e especialmente a sua direção em Resident Evil 3 - Extinção. Não deveria ser uma surpresa: Mulcahy e George Miller são não só compatriotas (ambos australianos), como também contemporâneos, tendo encontrado o seu público e os seus projetos mais marcantes durante os anos 1970 e 1980, mergulhados - para o bem e para o mal - no redemoinho estético de um par de décadas que trouxe a vulgaridade para a frente do palco da cultura pop e que revolucionou o que pensamos como "cinema de prestígio" e (especialmente) como "cinema de gênero".
Tipos de Gentileza já tem pouco à disposição, e ainda faz pouco com o que tem
Lá no começo dos anos 2010, um tipo de filme independente muito específico passou a conquistar as mentes e corações de cinéfilos pelo mundo. Títulos como Coerência (2012), Resolution (2012) e Complicações do Amor (2014) faziam um cinema de gênero que - um pouco inspirado pelos draminhas mumblecore da mesma época, e um pouco mirando o “horror elevado” da A24, que ganharia notoriedade nos anos seguintes - colocava grandes ideias em um frasco pequeno, aspirações cósmicas em um cenário terreno, considerações humanísticas em uma embalagem doméstica. Funcionava quando o impulso criativo era forte o bastante, e quando o espírito de guerrilha convencia o bastante para fazer o espectador se desprender da sua fome natural por uma narrativa mais densa, com mais profundidade.
No excelente The Surfer, Nic Cage se vê às voltas com o culto da masculinidade
No terceiro ato de The Surfer (prometo que o spoiler é leve!), Nicolas Cage enfia um rato morto dentro da boca de outro homem e grita, repetidamente: “Coma o rato! Coma o rato!”. Caso o filme, exibido no Festival de Cannes 2024, encontre distribuição ao redor do mundo e se torne o clássico cult que parece destinado a ser, o momento com certeza vai ser “memeado” ad aeternum nas redes sociais, adicionando mais uma explosão emblemática para a coleção aparentemente infindável de Cage. E não é que ele não mereça ou, a esse ponto, não queira cortejar essa fama dúbia da internet, mas o fato é que The Surfer tem muito mais a oferecer do que outro GIF icônico de seu astro para o arsenal dos fãs que ele conquistou nos últimos anos.
Oh, Canada aponta, muito desajeitadamente, para a natureza fragmentada do homem
Oh, Canada nunca tenta a mesma coisa duas vezes. Em sua ânsia de traduzir em cinema uma história guiada pela memória à deriva de um homem em suas últimas horas de vida, o diretor Paul Schrader lança mão de um leque até impressionante de recursos visuais e truques retóricos: em um momento, Richard Gere e Jacob Elordi estão revezando o papel do protagonista Leonard dentro de uma mesma cena, quebrando a expectativa linear da narrativa biográfica em flashback; em outro, vemos Gere observando na janela - em cores - uma cena de sua própria juventude, onde Elordi - em preto e branco - transa com uma de suas amantes; Uma Thurman, que interpreta a esposa de Leonard, Emma, também aparece como uma segunda figura feminina da trama; a câmera que filma o protagonista na velhice, dando o seu depoimento biográfico para um documentário, registra também o rosto de seu entrevistador/confessor, posição em que o ex-aluno Malcolm (Michael Imperioli) e a própria Emma se revezam.
Emilia Perez não é um grande filme, mas ruim mesmo é o desdém que ele vai atrair
Aparentemente, o Festival de Cannes 2024 amou Emilia Perez. Ao fim de sua exibição de estreia no evento, o musical dirigido por Jacques Audiard recebeu a maior ovação do festival até agora, o que por sua vez levou a burburinhos sobre o suposto favoritismo do título à Palma de Ouro deste ano. É complicado cravar as verdadeiras chances do longa nesta corrida (aplausos do público e boa nota dos críticos são indicações, mas quem decide mesmo é o júri presidido por Greta Gerwig) - de qualquer forma, o fato é que, fora de Cannes, Emilia Perez dificilmente vai encontrar um público tão caloroso, e os motivos para isso são muitos.
Bird faz apelo pela sinceridade em um cinema insincero
No início do Festival de Cannes 2024, o filme francês Diamant Brut abriu a competição pela Palma de Ouro representando o cinema da miséria em sua encarnação mais moralmente duvidosa, olhando de cima para baixo para as classes menos favorecidas da Europa, esvaziando sua cultura e sua subjetividade pelo bem de… de quê mesmo, de um filme que vai ser aplaudido por elites e intelectuais em um evento bilionário? É um conceito envenenado, desagradável, da cultura cinematográfica, mas felizmente Andrea Arnold trouxe a Cannes o antídoto para este veneno, e ele atende pelo nome de Bird.
A Queda do Céu analisa - e condena - nossas negociações com a realidade
Ser humano é negociar. Logo nos primeiros minutos de A Queda do Céu, o xamã Yanomami Davi Kopenawa nos conta sobre os rituais performados pela sua tribo diante da morte de um ente querido, detalhando especialmente como os Yanomami se juntam em um local sagrado, após expurgar todos os rastros deixados pelo compatriota falecido (as árvores que ele escalou são raspadas, as bananeiras que plantou colhidas, etc), para chorar lado a lado e assim deixar o luto para trás. A câmera de Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha não julga, na sua posição de ferramenta antropológica, mas nos apresenta esta como a primeira de uma série de retratos ritualísticos que desvelam a forma como os Yanomami negociam com a dura realidade de sua existência em um mundo hostil a eles.
The Girl with the Needle faz emulação precisa da linguagem dos filmes de monstro
Nos clássicos filmes de monstro da Universal, sempre havia algo de queer na criatura da vez. Seja em códigos visuais (o cabelo engomadinho e languidez bissexual de Drácula) ou narrativos (o status de outsider mal-compreendido de Frankenstein), esses ícones do horror se aproximaram dos públicos marginalizados e, uma vez que reclamados por um movimento LGBTQIA+ ávido por ressignificar ofensas passadas, passaram a representar a “monstrualização” do outro por parte dos defensores do sistema, daqueles interessados em manter as coisas como estão. Quase um século depois, The Girl with the Needle, filme dinamarquês que concorre à Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, chega para se apropriar do léxico visual desses filmes e retorcer um pouquinho essa lógica.
Lula é um recap intensivão de Brasil pelas mãos de um gringo emocionado
Documentários brasileiros sobre a tumultuada última década política do país não faltam - e suas abordagens são tão diversas quanto se poderia esperar. Democracia em Vertigem trouxe Petra Costa internalizando o passo a passo do impeachment e repetindo absurdos que já conhecíamos, O Processo encontrou insights únicos sobre a inversão de poderes entre partidos de esquerda e direita, e ainda tivemos Alvorada, Excelentíssimos, O Muro, Extremistas.br, e por aí vai. É natural, enfim, que os cineastas de um país transformem em celulóide, e em narrativa (porque documentário também é narrativa), um processo de repercussões tão encompassadoras para a sua vivência e o destino de seus compatriotas, cada um com sua perspectiva e suas oportunidades únicas de material.
The Apprentice faz bom uso do grotesco para perverter a biopic americana
Quando falei sobre o último filme de Ali Abbasi, Holy Spider, no comecinho do ano passado, apontei que a predileção do diretor irano-dinamarquês pelo grotesco, às vezes esbarrando no horror corporal, se chocava de formas tortas com a história do serial killer misógino que ele buscava contar - a sensibilidade errada para o filme certo. Pois bem: em The Apprentice, exibido na competição pela Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, este Abbasi do monstruoso escondido por debaixo do mundano, da perversão inerente das culturas e das cidades, cai como uma luva para contar a gênese de uma das figuras políticas mais relevantes dos últimos anos nos EUA, Donald Trump.
Leia a crítica completa aqui!
The Shrouds é decente como filme-terapia, mas terrível como mistério
Imagine um filme de David Cronenberg sobre o além-vida, e você provavelmente está imaginando algo muito parecido com The Shrouds. Embora possa parecer um tanto incompreensível que o venerado cineasta canadense, que passou toda uma carreira obcecado com as verdades e perversões do corpo humano, se interesse agora pelo que acontece quando deixamos os nossos corpos, o filme que estreou no Festival de Cannes 2024 responde essa perplexidade de forma direta, já nos primeiros minutos - e faz isso "tranquilizando” o espectador de que, mesmo quando se trata de morte, luto e decomposição, o que mais importa para Cronenberg é o corpo.
Leia a crítica completa aqui!
The Substance é uma tonelada de dinamite explodindo por 2h30 sem parar
The Substance não sabe quando parar. O filme de Coralie Fargeat, que chacoalhou a competição pela Palma de Ouro no Festival de Cannes 2024, tem quase 2h30 de duração, o que estica tanto o seu conceito de ficção científica quanto a sua capacidade de inventar novas bizarrices até um ponto que deveria ser insustentável para qualquer narrativa. E, ainda assim… em The Substance, Fargeat (também roteirista) se prova uma daquelas artistas de eloquência incansável e audácia inflexível, uma contadora de histórias cujo impulso discursivo parece nunca se esgotar, com a qual sempre podemos contar para nos surpreender, nos mover e nos intrigar.
Leia a crítica completa aqui!
O ponderado Baby traz Marcelo Caetano de volta à SP dos marginalizados
Faz sete anos desde que Marcelo Caetano estreou na direção de longas-metragens com Corpo Elétrico, um retrato sinuoso e enérgico (alguns diriam, elétrico) da juventude queer trabalhadora de São Paulo. Não é exatamente surpreendente que nesse período, que abraçou uma gestão Jair Bolsonaro e uma pandemia de covid-19, entre milhares de outras transformações no cenário cultural e social brasileiro, o cineasta tenha passado de um artista impulsivo, cheio de sentimentos que sentia gana de colocar em tela, para um contador de histórias considerado, até um pouco comedido. É o que mostra Baby, que estreou na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 trazendo uma visita renovada, mas muito mais ponderada, à São Paulo dos marginalizados.
Leia a crítica completa aqui!
Motel Destino faz noir dos trópicos com doses iguais de humor e horror
Raros são os momentos, em Motel Destino, nos quais não se ouve um gemido, grito ou ranger de molas ao fundo. Enquanto os personagens do cineasta Karim Aïnouz vivem suas vidas e desenrolam seus conflitos nos corredores e salinhas do estabelecimento do título, o filme parece querer nos cutucar com o fato de que outras vidas, outros conflitos e outras catarses estão acontecendo nas beiradas da história que acompanhamos - e que essas outras vidas não podem evitar de se intrometer nas nossas, incomodando ou excitando, criando um clima de precariedade ou de desejo, a depender da sua posição em relação ao voyeurismo. Aïnouz, como artista, não está aqui para julgar, mas só para cutucar.
Leia a crítica do filme aqui!
O Conde de Monte Cristo é novelão suntuoso sobre ódio geracional
O rótulo que acompanha a nova versão cinematográfica de O Conde de Monte Cristo tende a ligar o longa à adaptação de Os Três Mosqueteiros lançada em duas partes nos cinemas no ano passado, com grande sucesso comercial. Natural: ambos são clássicos da literatura francesa, assinados por Alexandre Dumas, que estão ganhando o tratamento de gala na tela grande dentro da França pela primeira vez em muito tempo. E os nomes de Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte estão nos créditos de ambos os projetos, o que até permite a inclusão de um “da mesma equipe de” no pôster, veja só.
Leia a crítica do filme aqui!
Anora lamenta o mundo onde tudo é transacional - mas sem perder a ternura
Embora seus filmes tenham sempre um certo açúcar que os aproximou muito rapidamente do público jovem que curte cinema independente em busca de uma historinha de conforto para chamar de sua, Sean Baker não é um artista esperançoso. Desde pelo menos o revelador Tangerina (2015) que o cineasta estadunidense se acerca das histórias de grupos marginalizados e oprimidos através do humor e do movimento - seus filmes são vivos, não só na espontaneidade da contratação de atores amadores, mas também de forma bastante calculada dentro da linguagem e do ritmo que Baker impõe a eles na arquitetura de cada cena.
Leia a crítica do filme aqui!
A magia de Parthenope é tirar de cada imagem sua beleza mais absoluta
Você alguma vez já viu o Sol bater no rosto de uma pessoa que você ama, iluminando os cantos menos explorados daquela face, clareando os olhos que se cerram diante da luz, e pensou sobre como é absolutamente divina a beleza daquele ser? Você já romantizou um artista torturado, ficou olhando para a foto naquela orelha de livro (ou, quem sabe, no Google imagens), para aqueles olhos abatidos, aquelas olheiras pronunciadas, aquele cigarro pendendo dos lábios entreabertos, e pensando nas coisas sublimes e tristes e terríveis que passam por aquela cabeça? Você já dançou uma música lenta no fim de uma noitada inacreditável, o último copo de bebida na mão, a emoção daquelas notas e daqueles vocais gritados batendo como nunca bateu antes, os seus companheiros de jornada noturna se transformando em figuras quase míticas e sua afeição por eles se transformando em poesia? Uma garota bonita já te olhou e acenou inesperadamente, te fazendo corar?
Leia a crítica do filme aqui!
Maria conta metodicamente uma história necessária
A história de Maria Schneider é uma das mais notórias dos bastidores do último meio século de cinema - mas, também, uma das mais difusas. A atriz, escalada aos 19 anos por Bernardo Bertolucci para estrelar o drama erótico O Último Tango em Paris (1972) ao lado de Marlon Brando, ganhou fama dúbia após o lançamento do filme pelo teor sexual da sua personagem, e foi o centro de uma disputa de narrativas que durou décadas sobre a cena de estupro pela qual o longa é mais conhecido até hoje. O que estava, ou não estava, no roteiro? O que Brando e Bertolucci sabiam, e quão simulada foi a violação de Schneider, eternizada na tela pelo cineasta italiano? Até onde o cinema pode ir, como procedimento de arte no dia a dia do set e como produto cultural, uma vez que é lançado no mundo?
Leia a crítica do filme aqui!
All We Imagine as Light sabe bem em quais olhares se demorar e de quais fugir
Contar histórias é um exercício de escolha, principalmente no sentido que o contador de histórias deve escolher frequentemente quais perspectivas representar diante do manancial interminável de possíveis narrativas que se estendem diante de qualquer premissa. Por isso, até, que All We Imagine as Light se posiciona como um pequeno milagre de cinema - em cada curva perigosa desse caminho, a diretora e roteirista Payal Kapadia mostra ter uma clareza de visão excepcional sobre os olhares através dos quais deseja enxergar Mumbai, a metrópole indiana contemporânea onde localiza grande parte da sua narrativa. E essa clareza é o que resolve o filme, na verdade, em mais de um sentido.
Leia a crítica do filme aqui!
Limonov encarna em filme a carência incontrolável do seu protagonista real
Se há uma personalidade do século XX que viveu uma vida cinematográfica, foi Eduard Limonov. O poeta russo, embora seja um nome obscuro para aqueles fora de seu país e da bolha literária, perpassou a segunda metade do século passado como um ciclone de ideias emblemáticas de seu tempo - seja na posição confrontacionista de suas ideias políticas, no caráter egocêntrico de sua produção artística (ele mesmo admitia que só era capaz de escrever sobre si mesmo), na vida imigrante e cosmopolita que ele levou, passeando por cenários hipsters e engomadinhos de diferentes culturas com o mesmo cinismo anárquico… Limonov encarnava como ninguém a derrocada do discurso falso de comunhão do Ocidente contemporâneo, e a forma como ele se infiltrou vitorioso e maligno até nas últimas fortalezas que resistiram contra ele.
Leia a crítica do filme aqui!
Entre romance e thriller, L'Amour Ouf se afoga - e se salva - no formalismo
Não dá para negar que L’Amour Ouf tem ritmo. Embora o longa de Gilles Lellouche (ator célebre por Não Conte à Ninguém, mas já em seu terceiro longa na direção) não seja um musical, como circulavam rumores no Festival de Cannes 2024, ele certamente lança mão de recursos… melódicos. Lellouche confia muito em movimentos dinâmicos de câmera - em um diálogo doméstico, ele gira vertiginosamente de um personagem para o outro conforme a discussão se desenvolve - e cenas estendidas que se predicam em coreografia mesmo sem envolver música de fato. Tudo que estiver ao seu alcance, enfim, para nos convencer de que seu filme merece nossa atenção por quase três horas.
Leia a crítica do filme aqui!
The Most Precious of Cargoes é drama de Holocausto manipulador - menos na poesia
Vamos deixar uma coisa clara por aqui: a animação não é um gênero cinematográfico, mas sim um procedimento de fazer filmes (que compreende várias técnicas diferentes, inclusive) capaz de abarcar todo tipo de história e se relacionar com os chavões de todo tipo de gênero. Isso não significa, no entanto, que a escolha de fazer um filme em animação não abra - como a escolha de qualquer outro tipo de procedimento específico de arte - possibilidades específicas para os cineastas que a fazem, implicando em liberdades e limitações que não existiriam no live-action. Nesse sentido, é difícil encontrar um bom motivo para Michel Hazanavicius ter feito o seu The Most Precious of Cargoes em animação.
Leia a crítica do filme aqui!
Twilight of the Warriors é drama de gerações com dose saudável de porrada
O cinema de Hong Kong, seja nas proezas de ação dos filmes de Jackie Chan ou nos romances urbanos de Wong Kar Wai, sempre teve algo de barroco. Banhados nas luzes fluorescentes e acorrentados às desordens metropolitanas de uma das cidades mais vividamente diversas do planeta, esses filmes se aproximam dos gêneros que escolhem com uma franqueza exploratória inflexível, potencializando os elementos granulares que querem emprestar deles para contar histórias que frequentemente usam a fantasia (ou, ao menos, o exagero) para refletir sobre questões intrínsecas à vida em Hong Kong - imigração, miscigenação, desigualdade, negligência institucional, isolação e melancolia na grande cidade. Por Hong Kong ser tão sem pátria, tão do mundo, esses temas acabam encontrando ressonância universal.
Leia a crítica do filme aqui!
Les Femmes au Balcon faz feminismo despudorado e cheio de energia referencial
Les Femmes au Balcon faz um par de escolhas muito específicas que revelam, acima de quaisquer outras, o controle absoluto com o qual Noémie Merlant rege a sinfonia do caos que define seu segundo filme na direção. A primeira escolha é a de não mostrar o abuso de Ruby (Souheila Yacoub) pelas mãos de um vizinho misterioso (Lucas Bravo), muito embora este seja o evento definidor da trama, o incidente que empurra as três protagonistas na direção da liberação violenta de suas frustrações com a misoginia. A segunda escolha vem mais tarde, e é oposta: Merlant mantém a câmera ligada e focada no rosto de Élise (interpretada pela própria cineasta) enquanto ela sofre o que se define como estupro marital - ou seja, um incidente de abuso sexual perpetrado pelo próprio cônjuge da vítima.
Leia a crítica do filme aqui!