Na última vez em que o Festival de Cannes teve um cineasta hollywoodiano como presidente do júri, em 2010, Tim Burton surpreendeu e deu a Palma de Ouro a Tio Boonmee. Em 2013, quem assume a vaga é Steven Spielberg, e a relação entre o festival e o cinema americano parece cada vez mais estreita - se em 2010 apenas um longa na seleção principal era hollywoodiano (Jogo de Poder, de Doug Liman), neste ano são seis, contando O Grande Gatsby, filme que abre os trabalhos do festival no dia 15, em sessão hors concours.
festival de cannes
Diretor do festival e responsável pela seleção de filmes, Thierry Fremaux assumiu o posto em 2001 com a missão, dada pelo presidente do festival, Gilles Jacob, de se reaproximar de Hollywood. Ao longo desta última década, as imagens de astros e estrelas dos EUA (além de blockbusters promovidos por lá, como Kung Fu Panda) marcaram o tapete vermelho na Riviera Francesa, e o fato de O Grande Gatsby de Baz Luhrmann abrir Cannes em 2013 sela o sucesso do projeto de Fremaux: em 2001, o filme de abertura também era de Luhrmann, Moulin Rouge.
A questão é saber como Spielberg e seus jurados - o presidente do júri é uma figura importante na hora de definir tendências de prêmios ou desempatar categorias - vão se comportar diante desse dado numérico: um quarto dos 20 filmes na competição vem dos EUA. São eles Inside Llewyn Davis, de Joel e Ethan Coen; Behind the Candelabra, de Steven Soderbergh; Only Lovers Left Alive, de Jim Jarmusch; Nebraska, de Alexander Payne; e The Immigrant, de James Gray. Veja a lista completa de filmes da competição.
Embora a presença hollywoodiana seja crescente nos últimos anos, isso não se traduz automaticamente em prêmios. O último longa americano a ganhar a Palma de Ouro era um objeto estranho de um autor à margem da indústria, A Árvore da Vida de Terrence Malick, em 2011. Já em 2013 há as incógnitas. Soderbergh vem com um telefilme da HBO - o que pode carregar consigo um preconceito por parte do júri e da imprensa - e Payne, apesar de emplacar sempre no Oscar, só teve um único filme na competição de Cannes até hoje, As Confissões de Schmidt, em 2002. Desse grupo, Inside Llewyn Davis e Only Lovers Left Alive seriam os favoritos, por conta do histórico (tanto Jarmusch quanto os irmãos Coen já competiram sete vezes no festival), mas vale prestar atenção em The Immigrant. Finalizado em 2012, o filme foi segurado pela distribuidora Weinstein Co. justamente para debutar no festival francês. Gray, um cineasta querido da crítica, cujos três últimos filmes bateram cartão na competição de Cannes, diz em entrevistas que The Immigrant é o seu melhor trabalho. O estilo classicista de Gray talvez caia no gosto de Spielberg, e este pode ser o ano da sua consagração.
Mesmo nos longas estrangeiros o star power marca presença. Ryan Gosling estrela o franco-dinamarquês Only God Forgives (refazendo a parceria que deu a Nicolas Winding Refn o prêmio de melhor diretor em Cannes 2011 por Drive) e Benício Del Toro está em Jimmy P., o primeiro longa falado em inglês do cineasta francês Arnaud Desplechin, que compete em Cannes desde seu primeiro longa, La Sentinelle, até o último, Um Conto de Natal, em 2008.
Disputas hollywoodianas à parte, sempre há aqueles filmes destinados a virar notícia ou polêmica. Embora Venus in Fur pareça um filme pequeno - é uma adaptação com elenco reduzido de uma peça off-Broadway - seu diretor, Roman Polanski, sempre ganha manchetes por si só, e é a primeira vez que Polanski volta a Cannes desde que ganhou a Palma de Ouro por O Pianista, em 2002. Por sua vez, o mexicano Heli, de Amat Escalante, sobre uma adolescente que se apaixona por um policial, é o candidato da vez às controvérsias, a julgar pelos filmes anteriores do diretor, como o violento Os Bastardos.
Além de Escalante, outro cineasta que ganhou projeção mundial por causa de Cannes, e que retorna neste ano, com La Grande Bellezza, é Paolo Sorrentino, cujo Il Divo levou o Prêmio do Júri (um dos troféus de consolação, ao lado do Grande Prêmio do Júri, dados para quem almejava a Palma de Ouro mas saiu de mãos vazias) em 2008. De Sorrentino não se espera muita coisa; é o tipo de autor que repercute em festivais por seus longas "de respeito", cheios de gravidade, assim como Asghar Farhadi, cineasta iraniano de filmes palatáveis ao grande público, que neste ano comparece com um longa francês, Le Passé, novamente sobre famílias em crise, como seu A Separação.
Ironicamente, quem pode fugir um pouco da mesmice (hollywoodianos de um lado, cinema europeu de grife do outro) são justamente os veteranos Jia Zhang-ke e Takashi Miike. Novamente recai, como tem acontecido frequentemente em festivais, nas costas dos asiáticos a responsabilidade por oferecer filmes inovadores em sua forma. O Wara no Tate de Miike é uma adaptação literária, sua volta ao gênero policial (parece haver poucos filmes de gênero mais populares em Cannes neste ano), e do cineasta japonês sempre se pode esperar renovações constantes. O chinês Jia, por sua vez, leva a Cannes Tian Zhu Ding, que no papel parece ser um dos seus filmes mais ambiciosos: quatro chineses de regiões e classes distintas se cruzam nos dias de hoje. Já faz cinco anos que Jia competiu em Cannes pela última vez, por 24 City, e a própria geopolítica mundial torna os longas do cineasta - o melhor radiografista das mudanças da China de hoje - mais pertinentes. Jia Zhang-ke é outro que pode, enfim, sair de Cannes com algum prêmio, embora seus filmes discretos não tenham o perfil arrebatador que se espera de vencedores de festivais "respeitados".
Os vencedores de Cannes serão anunciados em 26 de maio. Uma sessão do filme Zulu, de Jérôme Salle, encerrará o festival.
Festival de Cannes | A evolução dos cartazes ao longo de seis décadas