Nem vítimas, nem heroínas. As mulheres de May December, filme dirigido por Todd Haynes exibido em competição no 76º Festival de Cannes, são complicadas, contraditórias, inexplicáveis. “É incrível poder participar de um filme como esse, com duas personagens complexas e humanas, cheias de conflitos deliciosos que todos temos”, disse Natalie Portman na coletiva de imprensa. “Foi incrível ver a visão de Todd sobre as mulheres: que simplesmente somos humanas. Ele nos dá a permissão de sermos complicadas como quaisquer personagens.” Julianne Moore completou: “Eu queria dizer que as mulheres obviamente não são uma minoria, somos 50% da população. É importante que sejamos tratadas de acordo”.
Portman, uma das produtoras do longa, levou o roteiro de Samy Burch para Haynes, com quem desejava trabalhar fazia tempo. Ela interpreta Elizabeth Berry, uma atriz que vai até Savannah para fazer pesquisa para seu próximo trabalho: interpretar Gracie Atherton-Yoo (Julianne Moore), que quase 25 anos atrás viveu um romance que causou escândalo e sua prisão. Seu marido, Joe (Charles Melton), tinha 13 anos na época, e Gracie, 36.
“Gracie transgride. Mas como abordar isso? Porque diferença de idade é uma coisa, mas uma relação entre um adulto e uma criança é outra”, disse Moore na coletiva. “Quando a diferença de idade é inapropriada? Quando as pessoas estão em lugares diferentes de desenvolvimento, quando alguém não é adulto. Por isso temos limites. Mas isso não significa que as pessoas não transgridam ou não tenham transgredido no passado, em termos de casamentos arranjados e coisas que hoje são consideradas inapropriadas. A razão pela qual este filme parece tão perigoso é que as pessoas não sabem quais são os limites de cada um desses personagens. E isso dá medo.”
A grande sacada do filme é justamente colocar o espectador em areia movediça o tempo inteiro. Nunca dá para ter certeza do que achar disso tudo. Um grande complicador é que Gracie e Joe ficaram juntos depois do escândalo e da prisão dela e tiveram três filhos – a mais velha já saiu de casa, e agora é a vez dos gêmeos. Se o casamento deu certo, tudo bem ter começado desse jeito?
Nem dá para saber quem são esses personagens. Todos ali estão, em diversas medidas, atuando – e Haynes, frequentemente, está interessado na questão da identidade. Elizabeth começa a replicar Gracie, imitando seus gestos em cenas de espelhos literais ou imaginários. As duas atrizes são, desde já, fortes candidatas ao Oscar. E Melton, mais conhecido por seu trabalho em Riverdale, dá conta do suave Joe, que vai ficando perturbado com a escavação de seu passado feita por Elizabeth. May December fala também de memória, do que guardamos, ou do que escolhemos guardar.
Haynes não destila tudo para o espectador. Ele instiga o público a completar as lacunas, sem resumir tudo a uma questão de bem e mal. E isso é muito bom. O tom meio de novela, exagerado, nem sempre funciona com a sutileza dessa proposta, mas pode agradar ao presidente do júri Ruben Östlund.
May December ainda não tem previsão de estreia no circuito comercial.