Não estava claro como Ava DuVernay ia fazer uma adaptação de Casta – As Origens do Nosso Mal-Estar, livro de não ficção de Isabel Wilkerson. Agora que o filme Origin estreou no 80º Festival de Veneza, fazendo de DuVernay a primeira cineasta negra dos Estados Unidos a concorrer ao Leão de Ouro, sabemos que se trata de uma cinebiografia da jornalista ganhadora do Pulitzer que também tenta explicar a sua teoria revolucionária. É um desafio e tanto, que nem sempre tem um resultado coeso.
No filme, Isabel é interpretada pela ótima Aunjanue Ellis-Taylor, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por King Richard – Criando Campeãs (2021). Ela cuida da mãe (Emily Yancy), que viveu outra época e criou a filha para se comportar de determinada maneira e a ser discreta para evitar ao máximo situações de racismo. E vive com o matemático Brett (Jon Bernthal, carismático como sempre), um homem branco – depois de centenas de anos de proibição de casamentos interraciais, eles são ainda um tanto incomuns nos Estados Unidos. É depois de sofrer uma grande perda que Isabel Wilkerson mergulha em sua pesquisa – e o filme também. Origin explica a teoria de maneira bastante didática, o que por vezes quebra o ritmo do drama.
A escritora começou a achar o racismo insuficiente para explicar a opressão sistemática dos negros em seu país, os Estados Unidos. Para a autora, a escravidão e as leis segregacionistas de Jim Crow são partes de um sistema de castas, que existem muito antes do comércio transatlântico de pessoas raptadas da África e escravizadas nas Américas. Por isso Wilkerson aproxima os negros norte-americanos dos indianos da casta Dalit, considerados membros inferiores da sociedade por questões que não passam pela cor da pele, e dos judeus no regime nazista.
A teoria é intrigante, e é claro o fascínio de DuVernay por ela. A cineasta tem real interesse em educar as pessoas e a fazer a diferença. Ela montou um banco de dados com cineastas e outros profissionais negros e contratou diretoras negras para sua série Queen Sugar, por exemplo.
Origin quer provocar reflexão sobre as narrativas impulsionadas pelo sistema de castas. Até porque alguns se repetem ainda hoje, desumanizando o outro e promovendo um discurso anti-intelectual.
Mas, por vezes, a paixão pela teoria e pela causa se impõe sobre o drama e o cinema. A cinebiografia tem várias lacunas, apesar do talento do elenco, que conta ainda com Niecy Nash como uma prima de Isabel. E toda a explicação do sistema de castas, por mais fascinante que seja, de vez em quando parece aula. Ava DuVernay se sai melhor quando vai fundo na emoção, exemplificando os absurdos provocados por esse sistema de castas. Nada supera a longa cena envolvendo um menino negro e uma piscina, que fez a dura plateia de jornalistas de um festival de cinema derrubar lágrimas. Mas, no fim das contas, Origin é mais um filme importante do que um grande filme.