É sempre estranho quando um ator não profissional sai premiado de festivais por interpretar, basicamente, a si mesmo. Foi assim em Berlim 2013, quando Nazif Mujic ganhou um Urso de Prata pela vida desgraçada que leva em Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho, do diretor Danis Tanovic.
Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho
Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho
O filme bósnio se enquadra na linhagem dos docudramas que ignoram velhas separações entre ficção e realidade. Nazif mora com mulher e duas filhas numa aldeia de ciganos no interior, e seu sustento vem, como diz o título, de desmanchar carros e catar sucata para revender. Quando a mulher sofre um aborto espontâneo e precisa de cauterização, porém, Nazif se vê atado, porque não tem seguro nem dinheiro para pagar a cirurgia.
Embora a neve que cai insistentemente lembre situações de filmes iranianos como Tempo de Embebedar Cavalos (2000) - em que o homem é incapaz de lidar com a natureza determinista que o esmaga - Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho é inequivocamente um filme sobre uma ex-república soviética. Tanovic despontou no cenário mundial falando de História em Terra de Ninguém (2001), e agora retorna ao holofote (Episódio... saiu de Berlim também com o Grande Prêmio do Júri) com um novo formato, mas tratando do mesmo assunto.
Porque a usina nuclear à beira de estrada, que Nazif atravessa sempre em direção à cidade quando conduz a mulher ao hospital, não nos deixa esquecer: o drama de Nazif tem origens históricas. A câmera na mão e a oportunidade de acompanhar o catador o tempo todo permite que Tanovic trace um paralelo interessante, entre o Estado de ontem (a URSS da metalurgia, triunfalista) e o Estado de hoje (a Bósnia das reformas liberais, dos hospitais privados).
Quando um carro quebra, e o catador se vê obrigado a desmanchá-lo a machadadas - processo que a câmera acompanha com atenção - há um simbolismo aí que não é trivial. É como se Nazif recolhesse os pedaços que sobraram da própria utopia russa, e ver um homem desses, proletário modelo, exemplar na sua habilidade de cortar lenha e carros com um mesmo golpe, transformar-se ao longo do filme em uma sucata da história é bem angustiante.
Acompanhe as nossas críticas do Festival do Rio 2013
Ano: 2013
País: França, Eslovênia
Classificação: 14 anos
Duração: 75 min
