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Arcade Fire - The Reflektor Tapes | Crítica

Documentário em forma de best-of acaba revelando as contradições da banda

09.10.2015, às 10H15.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Registro de gravações e turnê de Reflektor, o álbum mais recente do Arcade Fire, o filme The Reflektor Tapes (2015) é a famosa pregação para convertidos. Organizado como um remix dos maiores sucessos do disco - como a própria banda reconhece em uma entrevista estranhamente relegada a cena pós-créditos - o trabalho do diretor Kahlil Joseph faz pouco para desmistificar o processo criativo do grupo canadense.

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Ainda assim, as coisas surgem. Joseph e seus câmeram tiveram acesso ao palco durante a turnê e também aos bastidores. Filmam, principalmente, o período de gravações de Reflektor na Jamaica e no Haiti e algumas performances que derivam disso, durante o Carnaval haitiano. E o que toma forma em The Reflektor Tapes, por vezes involuntariamente, é uma banda em constantes conflitos - entre fechar-se em si mesma e abraçar a comunhão popular, entre as letras de pretensão filosófica e o fácil som pop dançante, entre interiorizar sua arte ou assumir suas evidentes referências musicais.

Talvez seja dessas contradições que surge o instigante processo criativo do Arcade Fire, e pelo filme fica claro que esses conflitos se personalizam nas duas figuras de frente, o letrista e vocalista Win Butler e Régine Chassagne, sua esposa, também vocalista e compositora. Ele parece responder pelo superego da banda, pelo seu comportamento introspectivo e por vezes francamente passivo-agressivo; Butler tem dificuldade em expor seu processo criativo ("continuo pensando em coisas da época em que compomos o álbum", diz, sem explica que coisas são essas) e só sabe articular de fato uma ideia quando defende os cabeções de Olinda da turnê, pensados como uma proteção da imagem pública da banda e como um desarme de sua celebridade.

Se ninguém melhor do que Butler, com sua pintura mascarada, representa a máxima indie do quem-se-define-se-limita, Régine parece encantada com a possibilidade de assumir uma identidade clara, a sua ascendência caribenha. É emblemático o momento, na gravação com percussionistas haitianos, em que Butler não consegue se fazer entender e é preciso que ela venha "traduzir" os ritmos desejados. Como a importante presença do produtor do álbum, James Murphy, é radicalmente reduzida em The Reflektor Tapes à coadjuvação numa única cena, então termina caindo na conta de Régine o crédito pela musicalidade tropical do disco. Régine, de qualquer forma, sempre foi a alma do negócio.

E então o conflito principal se desenrola, porque se um depoimento no início do filme diz que o Arcade Fire é mero reflexo de seu brainstorm ("somos apenas pessoas juntas numa sala"), tudo o que vem a seguir contesta isso: desde a inegável ligação com seu público nos shows até a aproximação com os haitianos. Quem enxerga em Reflektor nada mais que um exemplo de apropriação cultural - os canadenses que ousam bater o tambor dos negros - talvez encontre neste filme combustível para sua opinião, porque (por mais que tente Régine) em nenhum momento o Arcade Fire deixa de ser o "estrangeiro". Isso fica claro no show que eles fazem na cidade de Jacmel: diferenças de história e de cultura que a fotografia em preto-e-branco uniformizante de Kahlil Joseph é incapaz de desfazer.

Ou talvez a fotografia PB só escancare esse aspecto incontornável, ao tornar Win Butler ainda mais branco nas gravações noturnas com o infravermelho, um espectro alvo e embriagado em meio aos haitianos. Na entrevista pós-créditos, descobrimos que Butler tem completa noção de seu estrangeirismo nessa cena, enquanto Régine reage surpresa a esse senso de performance (quando ela comenta o fato de ter sido dirigida por Joseph). De novo, por um instante, o superego do vocalista volta a definir a banda e tudo aquilo que a cerca - e desse vaivém personalista entre o casal vai vivendo o Arcade Fire.

Nota do Crítico
Bom

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