Straight Outta Compton – A História do N.W.A. ficou três semanas seguidas em primeiro lugar nas bilheterias dos Estados Unidos - e, por muito pouco, não fechou também a quarta semana na liderança. Já existe um histórico de bons resultados alcançados por filmes voltados ao público negro, como as comédias estreladas por Tyler Perry. Mas Straight Outta Compton é diferente e três são os motivos principais que levam ao sucesso: música, violência e polêmicas - trinômio que foi igualmente importante na história de sucesso do próprio N.W.A.
Primeiro, é preciso entender o contexto da época em que a história começa. Desde meados dos anos 1980, quando o N.W.A foi criado por Eazy-E, Dr. Dre, Ice Cube, DJ Yella e MC Ren, o grupo chamava atenção da mídia e do público com suas letras que não mediam palavras para falar do cotidiano da cidade onde cresceram, com drogas, armas, mulheres, discriminação e muita violência na mão da polícia. Nesta época, Compton, um subúrbio ao lado do Centro de Los Angeles, era uma área conhecida por suas gangues. Predominantemente negro, o local era frequentemente tomado por policiais que não procuravam respostas, mas apenas mostrar poder, tentando assim diminuir a violência na área. O pior momento aconteceu em abril de 1992, quando o povo foi às ruas para protestar contra a absolvição dos policiais que agrediram o taxista Rodney King. Os saques e atos de vandalismo duraram 6 dias e prejuízos estimados em 1 bilhão de dólares.
O povo está nas ruas dos Estados Unidos novamente este ano. Em 2015, a polícia americana já matou mais de 800 pessoas e, segundo matéria do Guardian, pode chegar a 1100 mortes até o fim de dezembro. A taxa de negros mortos é o dobro dos brancos e latinos.
Estes números trazem à tona discussões muito próximas às mostradas no longa dirigido por F. Gary Gray (que além de videocipes tem no currículo Be Cool - O Outro Nome do Jogo, Uma Saída de Mestre e outros trabalhos). No filme, a principal motivação dos rappers não é o dinheiro e a fama, mas sim mostrar o tanto que eram maltratados por aqueles que deveriam protegê-los. Não à toa, um dos “hinos” do N.W.A é “Fuck Tha Police”, segunda faixa do disco Straight Outta Compton, que dá também título ao filme.
O trio de ferro
O filme tem quase 2h30 de duração, mas não chega a ser cansativo. Inicia mostrando os rappers ainda adolescentes, aspirando uma forma de sair daquela vida antes que acabem mortos por gangues ou policiais. A música é este bilhete mágico que os levará a hotéis de luxo recheados de mulheres, drogas, bebidas e armas. E aqui entra uma das primeiras polêmicas: o foco em três personagens principais. Ice Cube (O'Shea Jackson Jr.) é mostrado como o mais “cabeça”, o cara que vai escrever as letras certeiras sobre a vida nas ruas. Dr. Dre (Corey Hawkins) aparece como o músico, o cara das batidas e viradas precisas. E Jason Mitchell interpreta Eazy-E, um ex-traficante que entra como investidor de um primeiro single, funda seu próprio selo, mas acaba ludibriado pelo agente Jerry Heller (Paul Giamatti - ótimo como sempre). Os verdadeiros Ice Cube, Dr. Dre e a viúva de Eazy-E assinam o longa-metragem como produtores-executivos, por isso o foco maior neles, deixando em segundo plano outros personagens ou fatos que também foram importantes para o N.W.A e a história de Compton e do hip hop.
Em determinado momento do filme, é mostrada a ocasião em que o grupo recebeu uma advertência do FBI pela forma recorrente com que o N.W.A desrespeitava as autoridades. No melhor estilo “falem mal, mas falem de mim”, eles tornaram a carta a pública, mostrando mais uma vez como eram perseguidos. O longa se favoreceu muito também deste tipo de divulgação. Primeiro pelas pessoas que não gostaram da forma como foram retratadas. MC Ren disse em entrevistas após a estreia que os fãs de verdade sabem da importância dele como letrista - no filme, os louros vão todos para Ice Cube. Outro que reclamou foi o DJ e dono de boate Alonzo Williams, que chamou o filme de “divertida mistura de fantasia e realidade”. E claro que tem também Suge Knight, leão de chácara que apoiou a saída de Dre do N.W.A e acabou virando seu sócio na Death Row Records. Ele é mostrado na tela como um cara desmedidamente violento, do tipo que usa todo seu tamanho para ganhar qualquer disputa.
beat by Dre
Mas o que mais chamou atenção da mídia depois da estreia do filme foram os depoimentos das ex-namoradas de Dre, Michel’le e Dee Barnes. As duas vieram a público dizer que não viram no longa-metragem caso algum de mulher apanhando de Dre, fato que aconteceu com as duas. O filme arranha os problemas do produtor musical com alcoolismo e não cita mulheres agredidas ou as vezes que ele foi para a cadeia. Até a Apple, que comprou a beats by Dr. Dre e beats Electronics por 3 bilhões de dólares, teve que soltar comunicado oficial se desculpando pelo passado de seu parceiro.
Mas ao ver que, como acontece no filme, o ex-agente Jerry Heller se recusou a fazer qualquer comentário, argumentando que o longa pode ser alvo de algum processo, e que Knight está hoje respondendo processo após ter matado uma pessoa e ferido outra depois de uma discussão que começou no set de filmagens de Straight Outta Compton, dá para dizer sem medo que o filme pode ter deixado de lado alguns fatos, mas que mostrou com coragem muita coisa que realmente aconteceu.
Para quem vai ao cinema apenas para conhecer mais sobre este importante capítulo da história da música ou relembrar fatos daquela época, Straight Outta Compton merece os elogios que vem recolhendo. F. Gary Gray conseguiu recriar o espaço/tempo do N.W.A desde sua origem nas ruas, sucesso e dramas internos e ainda contextualizar sua importância naquela época e no futuro que viria a seguir, com Snoop Dogg e Tupac aparecendo rapidamente e menções às carreiras futuras de Ice Cube no cinema e Dre na música, com as descobertas de Eminem e 50 Cent e a criação do beats. Gray achou e comandou o elenco sem cair na caricatura. Há nos atores um sentimento de verdade que dá ao filme um tom verdadeiro… mesmo que alguns fatos tenham sido deixados de lado. Se há uma queda no terceiro ato, é pela tentativa de dar um desfecho a uma história que ainda não acabou. Um erro perdoável.
Straight Outta Compton – A História do N.W.A. chega ao Brasil em 29 de outubro.
