A essa altura você já deve saber que o filme de terror Turistas, ambientado no Brasil, não faz um retrato muito positivo da nossa famosa hospitalidade. Na trama, jovens mochileiros do Primeiro Mundo são dopados, roubados, mutilados. Na vida real gringos já são maltratados por aqui, quando não assassinados, mas foi só Hollywood mostrar isso em filme para a turma dos indignados se juntar à dos nacionalistas na marcha-boicote.
Turistas não merece a execração. Não só por ser um enlatado indigno de tanta discussão, também por outra série de motivos.
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Antes de mais nada, ficção não tem responsabilidade com o real. Se tivesse, se chamaria documentário. Mais: cultura de massa é feita de simplificações, de estereótipos. Cite um filme de terror hollywoodiano que não veja todo caipira sulista como rebocador, frentista ou carniceiro de abatedouro. Se eles se enxergam assim (quando não são desdentados sujos e iletrados, são mutantes ou canibais), porque eu reclamaria do jeito como me enxergam?
Comparando, o retrato até que é lisonjeiro. O vilão de Turistas é um médico cirurgião. Em duas linhas de diálogo apresenta-se todo um raciocínio moral que justifica as suas ações. Filmes do gênero não costumam reservar dignidade tal aos seus homens-maus. Aliás, raras produções ambientadas no Brasil têm preocupação em aprender algo de fato sobre o país. Houve um tempo em que figurantes mexicanos eram contratados para falar português com sotaque espanhol... Com Turistas é diferente - o Brasil do filme é um simulacro, claro, mas um simulacro reconhecível por nós.
A começar pela sequência de abertura. Um ônibus precário leva mochileiros pela costa fluminense até o Nordeste. Estrada intransitável. Motorista imprudente exagera numa curva e perde controle do veículo. "Ok, entendi o seu ponto, essas coisas aparecem todo dia no jornal", você pode dizer. Mas não é só isso. As protagonistas chamam a atenção para uma frase de boas-vindas aos gringos rabiscada no banco do ônibus, junto a um desenho impublicável. Tem coisa mais brasileira que pichação de busão?
Os roteiristas fizeram a pesquisa, os personagens transmitem. Um cita a proporção de mulheres nível supermodelo em Floripa, outra sugere ao rapaz que tome uma boa tigela de açaí. Que os coadjuvantes e figurantes todos falam português, e não espanhol, nem precisaria mencionar. Aliás, Pru, a personagem de Melissa George, que no filme surge como a única gringa que fala português, avisa aos demais: "A língua oficial deles não é o espanhol!". A atriz fez a lição de casa idiomática direitinho. Já o inglês do caiçara Kiko (Agles Steib), o guia do grupo, é pior que o inglês do Borat.
Ah, ia esquecendo: a essa altura, 20 minutos de filme, já tocou umas três músicas de Marcelo D2 e um funk do MC Tam. A letra de "Vidro Fumê", sobre relações sexuais no banco traseiro de um carro, Pru traduz aos demais.
São curiosidades - mas se não fosse a menção ao Brasil, o filme mal seria notado (nos EUA, por sinal, passou batido). Visto só como mais um exemplar de terror adolescente, Turistas fica bem abaixo de um O Albergue. As relações de causa e efeito são vergonhosas, de tão simplórias. O único momento em que o diretor John Stockwell (A Onda dos Sonhos, Mergulho Radical... de água e beldade ele conhece) consegue superar o esquematismo do gênero é na perseguição submersa. Diminuindo corajosamente o compasso do clímax, ele consegue aumentar o suspense, coisa rara hoje em dia. Por tabela, ainda faz aquela propaganda bonita das grutas da Chapada Diamantina.
O filme não vale, portanto, todo esse barulho. Pelo contrário, Turistas deveria ser louvado por trazer pra cá a estrutura da indústria e empregar mão-de-obra nacional - supervisão de roteiro, figurino, revelação e pós-produção, além de filmagem de segunda unidade, são majoritariamente executados por brasileiros. Por fim, pense o seguinte: se o filme fosse, como O Albergue, ambientado no Leste Europeu, o elenco feminino não passaria o tempo todo de biquini. Mostrar mulher semi-nua correndo de maníaco é a única responsabilidade social que conta. Turistas a cumpre com prazer.