Principal nome da Nouvelle Vague de Taiwan nos anos 1980, ao lado do falecido Edward Yang, o cineasta Hou Hsiao-Hsien envereda pelo wuxia, o mais tradicional gênero do cinema chinês, em A Assassina (Nie Yin Niang, 2015). Embora essas fantasias medievais de artes marciais, na linha de O Tigre e o Dragão, sejam bastante populares tanto no Oriente quanto no Ocidente, do diretor de filmes como A Viagem do Balão Vermelho, especialista em observar a realidade e encontrar poesia nas coisas mais mundanas, podemos esperar um wuxia bem distinto.
A trama se passa na China do século 8, nos últimos anos da Dinastia Tang, e se baseia no clássico conto wuxia Nie Yinniang, de Pei Xing. A musa taiwanesa Shu Qi interpreta Yinniang, a assassina do título, que para terminar seu treinamento precisa aprender a não ter piedade. Depois de uma missão incompleta, sua mestra envia Yinniang de volta à província de Weibo, de onde a aprendiz saíra anos antes, e exige que a assassina mate o governador Tian Ji'an (Chang Chen), o primo de Yinniang.
As cartelas introdutórias no começo do filme - que falam dos esforços do Império para manter o controle sobre províncias cada vez mais fortes, como a de Weibo - são as poucas informações que o espectador terá, a título de contexto, num filme que exige bastante atenção e não facilita para o público na hora de lidar com intrigas políticas e desenlaces familiares. Como na vida, personagens mais interiorizam e silenciam do que verbalizam suas intenções.
A plasticidade é o elemento mais latente e chamativo de A Assassina, não apenas nas breves cenas de lutas de espadas e wire-fu, mas também nas escolhas de cenografia e fotografia. Os muitos meses de produção do longa, em desenvolvimento desde a década passada, permitiram que a trama passasse por cenários diversos da China continental, como a província de Hubei e regiões da Mongólia, e o resultado é um passeio por paisagens de impacto, que no filme são essenciais para traduzir a turbulência emocional e o caráter trágico de Yinniang.
Ainda que esse arrojo visual seja o cartão de visitas, o que está no coração deste filme de Hou é a sobriedade. Assim como a solenidade quieta com que os antigos chineses lidavam com as coisas do dia a dia, suas hierarquias e suas liturgias, o caminho e o ofício da assassina também são encarados com naturalidade. Yinniang deixa Weibo para virar matadora como se deixasse a província para estudar. Quando uma personagem acusa a presença da assassina em sua casa, ela diz apenas que "tem uma mulher de preto lá fora", como se fosse uma visita quase corriqueira ou esperada, embora envolva nada menos que a morte.
Ao tratar esses temas como uma parte integrante do cotidiano na China antiga, sem os grandes arroubos da grandiloquência que nos acostumamos a esperar dos épicos, A Assassina aproxima as artes marciais da "vida real". É aí que o filme de Hou começa mesmo a ganhar uma dimensão particular, não só de observação de eventos triviais mas principalmente de percepção das pequenas coreografias das coisas que nos cercam, e nesse sentido a arte marcial nada mais é que uma extensão de movimentos normais, como o simples balançar de cortinas ao vento.
Se no wuxia é fundamental entender a harmonia do homem com os elementos da natureza, Hou dá ao gênero uma cara mais doméstica, até mesmo mais aborrecida (como se conseguisse conciliar mesmo o épico medieval com as pequenas crônicas urbanas de família da Nouvelle Vague), mas essa harmonia poucas vezes esteve tão presente diante de nós quanto em A Assassina.
Ano: 2015
País: China
Classificação: 12 anos
Duração: 105 min
Direção: Hsiao-hsien Hou