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Crítica

A Espiã que Sabia de Menos | Crítica

A ofensa que liberta

04.06.2015, às 00H32.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35
Num tempo em que não só os limites do humor e da ofensa são discutidos, mas também o protagonismo da mulher nos debates sobre sexismo e alteridade, um filme como A Espiã que Sabia de Menos (Susan Cooper, 2015) vem para operar um milagre: ao mesmo tempo esclarecer e anarquizar esses papéis e esses limites.
 
Embora tenha escolhido parodiar os filmes de espionagem com praticamente uma versão feminina de Johnny English - em que uma especialista inepta (Melissa McCarthy) precisa ir a campo quando todos os espiões da CIA têm sua identidade vazada - a comédia de Paul Feig está menos interessada em exercitar sua iconoclastia com as fórmulas desse gênero, e mais com a figura fotogênica do agente secreto, o macho alfa com suas armas, cercado de mulheres fatais numa dança que desde os primeiros 007 sempre foi, acima de tudo, sexual.
 
Pois não há, pelos padrões vigentes, nada sexual a respeito de Melissa McCarthy - atriz que nos filmes de Feig, como Missão Madrinha de Casamento e As Bem Armadas, flerta sempre com a escatologia e aqui ainda ganha reações alérgicas que deixam seu próprio semblante repulsivo. É a partir dessa caricatura extremada (como se Susan Cooper só se destacasse pela compaixão que gera, e ao contrário de James Bond ninguém parece lembrar-lhe o nome) que Feig subverte a imagem de Melissa e a transforma. Os disfarces de Susan Cooper, que jogam com estereótipos da mulher mal amada, se tornam passos no processo da autoafirmação.
 
E esse processo não poderia acontecer de outra forma se não pelo humor de tipos - uma limpeza de dentro pra fora. Quando vocifera palavrões homofóbicos contra o ajudante loirinho da vilã, quando ironiza a magreza de Rose Byrne ou a estupidez dos machões, Melissa se afirma pelo poder do verbo (poder que a atriz exerce plenamente, sua especialidade). Nas comédias femininas de Paul Feig - e nesta que dentre elas deve ser a mais hilária - a ofensa liberta, porque sua capacidade de se solidarizar e de criar empatia é o que reveste o humor desses filmes de humanidade.
 
Vale prestar atenção não apenas na forma como Melissa se transforma (ela passa a vestir preto quando não interessa mais ao filme caricaturizar sua figura) mas principalmente como cria-se entre ela e a personagem de Rose Byrne um reconhecimento que não tem nada de vulgar. Fala-se muito em irmandade e sororidade em relação às causas femininas hoje, e a capacidade de enxergar o outro que se estabelece de forma não dita entre as duas personagens talvez seja uma das grandes demonstrações de girl power que o cinema recente pôde criar, e não só no americano, não só no cinema de massa.
Nota do Crítico
Ótimo
A Espiã Que Sabia de Menos (2014)
Spy
A Espiã Que Sabia de Menos (2014)
Spy

Ano: 2015

País: EUA

Classificação: 14 anos

Duração: 120 min

Direção: Paul Feig

Roteiro: Paul Feig

Elenco: Jason Statham, Morena Baccarin, Melissa McCarthy, Rose Byrne, Jude Law, 50 Cent, Bobby Cannavale, Will Yun Lee, Peter Serafinowicz, Carlos Ponce, Zach Woods, Miranda Hart, Katie Dippold

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