Pense na seguinte premissa para um filme: Um sujeito recluso, para o assombro de sua família, apresenta a eles sua namorada. O problema é que ela é uma boneca sexual de plástico comprada via Internet.
O longa-metragem de estreia de Craig Gillespie, que depois fez o inferior Em Pé de Guerra (Mr. Woodcock, 2007), pode parecer uma comédia escrachada de uma piada só - quase um esquete de Saturday Night Live ou coisa do tipo - e até ter sido vendido como tal (o trailer prenuncia uma típica comédia romântica, com direito a sonoplastia engraçadinha), mas não se deixe enganar: A Garota Ideal (Lars and the Real Girl, 2007) é tão engraçado quanto caçoar de alguém doente com uma condição curiosa.
A Garota Ideal
A Garota Ideal
Como adiantado acima, o drama conta a história de Lars (Ryan Gosling), um homem solitário, com sérios problemas de socialização. Ele sequer consegue conviver com o irmão e a cunhada (Paul Schneider e Emily Mortimer), carrega no pescoço um cobertorzinho de quando era criança, vive numa garagem, não dá atenção à menina no escritório que parece interessada nele... Um dia, porém, Lars encomenda uma dessas bonecas em tamanho natural que parecem reais. Bianca, o sujeito conta à família, é uma missionária brasileira, com um "quê" de Angelina Jolie, que não acredita em sexo pré-marital - portanto ficará hospedada na casa do irmão.
O brilhante roteiro de Nancy Oliver (A Sete Palmos) não é sobre o humor da situação, mas sobre um dos mais nobres aspectos da natureza humana, a bondade. A pequena e pacata cidade do interior em que a ação se situa não caçoa da situação. Apiedados da condição de Lars e seguindo a opinião da médica local (Patricia Clarkson, intensamente contida), os cidadãos tratam Bianca como alguém de verdade, pacientemente esperando pelo momento em que o jovem despertará de sua ilusão - e para a vida real.
É um pequeno filme perfeito, de pegada independente e atuações soberbas. É mais um acerto na já celebrada carreira de Ryan Gosling (Diário de uma Paixão), mas Gillespie também extrai trabalhos sensíveis e equilibrados de Schneider e Mortimer. Sem falar em Patricia Clarkson (Vicky Cristina Barcelona), mas essa parece não ter disposição para errar.
Com tantos filmes focados nas piores qualidades da convivência em grupo, não deixa de ser um alívio imaginar que ainda podemos ser solidários uns com os outros... e A Garota Ideal é quase um libelo dessa qualidade em extinção.