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Manjadíssima a trama de Alfie - O Sedutor (Alfie, 2004): depois de colecionar e dispensar loiras, ruivas, negras, adúlteras, mães solteiras e moças carentes, garanhão atravessa crise dos trinta e tantos anos e percebe que um pouco de afeto e intimidade não lhe fariam mal. Assim, o que o diretor e roteirista Charles Shyer, conhecido por comédias-família como os dois O Pai da Noiva, tem a adicionar a esse subgênero que já deu ao mundo obras-primas como O Homem que amava as mulheres (LHomme qui aimait les femmes, 1977), de François Truffaut?
Em comparação com o Alfie original - criado pelo dramaturgo inglês Bill Naughton (1910-1992) em 1962, adaptado à Broadway e depois ao cinema - o conquistador do século XXI só tem a perder. Naquele período pré-feminismo, às vésperas da revolução sexual, o homem ainda era o sexo forte digno do termo. Michael Caine viveu o cruel Alfie no filme de Lewis Gilbert, em 1966, com a autoridade de quem dava as cartas. Hoje, Jude Law protagoniza a refilmagem de Shyer com o comportamento metrossexual de quem, digamos, está apenas se defendendo contra a fragilização masculina.
E Law se defende muito bem. Esse é um dos parcos atrativos da película. Belo, bom ator, esquiva-se com desenvoltura da armadilha do narrador em primeira pessoa, daqueles que conversam com a câmera - ferramenta discutível que pode transformar o papo informal com o espectador em um monólogo brega se conduzido por intérprete inábil. Se o desempenho lembra em certos momentos o robótico gigolô Joe vivido por Law em A.I. - Inteligência artificial (A.I., de Steven Spielberg, 2001), a culpa não é sua, mas do roteiro incapaz de dar maior substância ao personagem.
Em sua crítica na revista Veja, Isabela Boscov delimita bem essas desvantagens em relação ao filme de 1966: "Na atuação furiosa de Caine, suas atitudes mascaravam seus próprios complexos de inferioridade, rejeição e inadequação (...) Homens assim existem hoje como antes, mas a condição da mulher mudou (...) O problema de Alfie, agora, se resume a não querer compromissos". O que tinha contornos edipianos, defende ela, agora se limita a pieguice.
Mas nem tudo está perdido. Uma vez que fica desprotegido nesse cerne da questão, Shyer come pelas beiradas. Troca o cenário londrino por uma Nova York multirracial, intelectual e utópica em sua internacionalização. O britânico, o negro e até o chinês desengonçado (humano, apesar da caricatura) têm iguais chances de êxito num ambiente promíscuo. A metrópole combalida pelo desastre Bush só está à espera de quem a entenda, de quem a acolha - assim como o sedutor Alfie busca, no fundo, alguém que o faça amar.
Esse tipo de entrelinha, aliado a um visual classudo, cheio de firulas artísticas e enquadramentos múltiplos que costumam encher os olhos, pode fazer valer o ingresso. E um filme que tem na trilha sonora Skatalites e canções inéditas de Mick Jagger não pode ser de todo ruim.
Ano: 2004
País: EUA
Classificação: 16 anos
Duração: 103 min
Direção: Charles Shyer
Roteiro: Bill Naughton
Elenco: Jude Law, Graydon Carter, Marisa Tomei, Jane Krakowski, Omar Epps, Nia Long, Sienna Miller