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Berlinale | Figlia Mia, drama familiar à italiana, conquista o público do festival

Fora da briga pelo Urso de Ouro, thriller de José Padilha e doc. sobre Dilma prometem polêmica

18.02.2018, às 15H21.
Atualizada em 20.02.2018, ÀS 23H05

Sintonizado com o assunto do momento – sororidade e empoderamento feminino - e carregado de uma afetividade (ora engraçada, ora chorosa) que contagiou a capital de alemã sob um frio de zero grau, Figlia Mia chegou ao Festival de Berlim neste domingo, diretamente da Itália, com todos os ingredientes que um Urso de Ouro costuma ter, coisa que nenhum outro concorrente da safra insossa deste ano apresentou. Ele tem lastro político, registra paisagens sociais pouco exploradas e tem uma linguagem de planos-sequência engenhosa. Para completar, é dirigido por uma mulher: Laura Bispuri (revelada em 2015 com Vergini Giurata), o que, diante do pleito atual por maior visibilidade para diretoras, seria um golaço do júri presidido pelo cineasta alemão Tom Tykwer (de Corra, Lola, Corra). E, de quebra, o elenco ainda traz uma atriz de prestígio popular em toda a Europa a quem Hollywood dá bola desde os anos 1980: Valeria Golino, par de Tom Cruise em Rain Man (1988). Na trama, ambientado na Sardenha, entre pescadores e criadores de cavalos, uma menina prestes a fazer dez anos se divide entre duas figuras maternas unidas por um segredo: a recatada Tina (Valeria) e a beberrona Angelica (Alba Rohrwacher).

Vivo Film/Divulgação

 “Alba e Laura já têm uma química entre eles, de trabalhos anteriores, o que fazia de mim a estranha numa língua muito íntima entre elas. Mas a deixa de falar sobre maternidade e de estar numa história de mulheres, sobre mulheres, era estimulante”, disse Valeria à Berlinale, que se rendeu aos encantos de Figlia Mia como não fez a nenhum outro dos candidatos ao Urso vistos de domingo para cá.  

A sequência em que Angélica e a pequena Vittoria (Sara Casu) cantam o hit "Questo Amore Non Si Tocca", de Gianni Bella, elevou os ânimos da Berlinale que, uma hora antes havia entrado num calvário religioso conferindo um elegante exercício de direção à francesa: La Prière, de Cédric Kahn, também em competição. Ator em filmes como A Economia do Amor (2016), Kahn é conhecido como cineasta por longas como A Vida Vai Melhorar (2011), mas seu novo trabalho é o exercício mais maduro dele como realizador. De todos os concorrentes exibidos no pálido cardápio de 2018, ele e Laura são os que apresentam maturidade na condução dos planos – corre por fora o drama paraguaio Las Herederas, potente, mas não tão bem aparado.

“Tentei olhar para o realismo e desafiá-lo na hora certa, falando sobre autodescoberta e solidão”, disse o cineasta francês ao Omelete.

Em La Prière, Kahn acompanha a perseverança de um grupo jovem da Igreja Católica, que tem na freira Myriam (a veterana cantora e atriz alemã Hannah Schygulla) uma referência de fé, para se livrar da tentação das drogas e do álcool. Muitos foram parar ali para se salvarem do vício, como é o caso do dependente químico Thomas (Anthony Bajon), agressivo diante da Palavra de Deus. De cara, o filme parece querer investigar o papel do Catolicismo na recuperação de adolescentes. Mas, com poucos minutos, o cineasta deixa claro que a religião é só um detalhe no arranjo narrativo seco que criou, lembrando o cult Os Incompreendidos (1969), de François Truffaut.  

“Atuando, Anthony lembra o personagem de Truffaut naquele filme, Antoine Doinel”, disse Kahn ao Omelete. “Minha ideal era criar uma narrativa simples, despida de recursos, para fazer jus ao sacrifício da fé”.

Embora as atrizes de Figlia Mia tenham despontado nas especulações acerca do prêmio de atuação feminina por aqui, fala-se muito em Léonore Ekstrand que encabeça a comédia de humor negro sueca The Real State. Com direito a uma cena de sexo hilária e tiradas mordazes sobre a falência moral da classe média, Léonore interpreta uma maluca beleza de 60 anos que se vê obrigada a vender (ou no mínimo reformar) o prédio que ganhou de herança do pai. Mas vai se meter em confusão para alcançar seu objetivo de envelhecer com tranquilidade financeira. A direção é da dupla Axel Petersén e Mans Mansson.    

Está marcado para segunda, às 22h, no Berlinale Palast, o que promete ser o evento mais polêmico do festival este ano: a exibição de 7 Dias em Entebbe, thriller em que o carioca José Padilha expõe seu olhar sobre o conflito entre Israel e Palestina. Prestes a estrear a série O Mecanismo, na Netflix, Padilha recria no filme o sequestro de um avião tripulado da Air France, saindo de Tel Aviv para Paris em 1976. A volta do cineasta à cidade coincide com o aniversário de dez anos da vitória de Tropa de Elite em solo germânico, onde ele ganhou o Urso dourado. Estima-se que uma polêmica similar deva se instalar aqui na quarta-feira, com a projeção do documentário O Processo, de Maria Augusta Ramos, sobre o Impeachment de Dilma Rousseff. Correm boatos de que os diretores brasileiros farão um protesto contra o Presidente Michel Temer por aqui.

A Berlinale termina neste sábado, com a entrega de prêmios. O último longa a estrear na programação, encerrando o menu de 2018, será o drama búlgaro Ága, de Milko Lazarov, sobre um casal de esquimós diante da finitude.

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