O ano era 1978.
Um mundo diferente e um mundo de diferenças. Escola do estado ainda era boa. Produto importado era raro. O governo ainda era militar. Os bairros tinham cinema. Só o meu tinha três. O Júpiter, o melhor deles, todo verde, bilheteria na rua. Na rua mesmo, logo ali na calçada. O São Geraldo, que acabou sendo o último cinema de bairro a fechar em São Paulo, e o Penharama, com um aquário há muito tempo seco no saguão e uma tela curva. Filme com rio era um drama, a água saía da esquerda, descia e subia pelo outro lado, afogando qualquer suspensão de descrença. Não era mais a época de ouro dos cinemas, mas esses ainda tinham escadarias de madeira, carpete com uma estampa que alguém um dia achou chique e lanchonete. Lanchonete de cinema, aliás, era um problema, todas caríssimas. O drops Dulcora a Cr$ 2,00 quando em qualquer lugar era Cr$1,20 - não, eu não lembro qual era a moeda da época [N.E: mas eu que sou mais velhusco lembro. Ass. Jotapê]. Ninguém comprava nada lá, era tudo contrabandeado de casa. E a pipoca, era feita com manteiga de verdade.
Na sala, Lanterninha a postos com poderes para mandar para casa qualquer um que saísse da linha. E garoto nenhum, de idade alguma, nem pai de garoto tinha a cara de discutir com a autoridade do recinto. Não era permitido falar, comentar, atormentar ou torrar a paciência dos outros como fazem hoje. E o celular, graças a Deus, ainda não havia sido inventado. Uma vez fora de casa, e dentro do cinema, ninguém te achava.
Ainda vivia também a maravilhosa instituição do vou ficar pra ver de novo. Era assim: você comprava o ingresso e entrava. E não precisava sair no final, era só ir ficando e vendo de novo, de novo e de novo. No Penharama era, então, ainda mais fácil, porque ele era do Circuito Serrador, que exibia dois filmes por sessão. Assim, com um ingresso você podia ver Spartacus com Kirk Douglas e Viva Las Vegas com Elvis Presley. Os dois definitivamente repetidos já que um é de 1960 e o outro de 1964. Mas, quem está reclamando de poder ter visto Ben-Hur na telona décadas depois da estréia? Semana Santa, sempre passava um filme religioso, e depois de anos de O manto sagrado, o jeito foi apelar para aquela cena com Jesus Cristo dando uma passadinha pelo Charlton Heston.
Foi no tal Penharama que assisti Star wars, ou Guerra nas estrelas, como a gente chamava na época, as naves dando volta na tela curva, aquele cruzador imperial vindo, vindo, infinita por cima da cabeça de todo mundo. Tudo muito zuuummmm, zuoooooomm. Nave pra lá, nave pra cá. Sabres de luz que ninguém imaginava como eram feitos. Numa palavra? Espetáculo. Sem discussão. As naves tinham barulho no espaço. Ah é? E daí? Quem ia reclamar daquele vuoouuuuummm alucinado que os caças faziam na trincheira? Era uma viagem e teve gente voando em caça X por meses depois daquilo. Ou sonhando com Luke Skywalker, o que inclui a tonha que vos escreve. Aquela ceninha em que Luke e Han Solo falam sobre a Léia? Torcida total pelo Luke.
Em 1978, Star wars ainda era simples, mocinho contra bandido, bandido de preto pra todo mundo saber quem é, explosão no final. Ainda não havia saga, Episódio IV, midiclorianas, gêmeos, Luke, I am your father e coisa e tal. Resumindo? Era um enorme YESSSSS!!!!!!!, se essa gíria estivesse em uso naquela época. E é verdade, sim, que ninguém divulgou que dentro do C-3PO e do R2-D2 estavam Anthony Daniels e Kenny Baker. A coisa toda da tecnologia era tão grande, que a gente jurava que haviam conseguido fazer robôs de verdade. Tive até um bate boca com meu irmão mais velho por causa disso. Ele dizendo é gente lá dentro e eu retrucando não, não é. Não que a gente precisasse de desculpa pra bater boca.
Já o que falam de Star wars ter tomado conta do mundo é verdade. Alec Guinness saiu na Revista Manchete, que também não existe mais, como o Flash Gordon do século 21, ou coisa parecida. E houve um Globo repórter todinho dedicado aos efeitos do filme. Só não tive coragem de faltar na minha colação de grau da oitava série para assistir porque aí minha mãe ia mesmo fazer um abajur com a minha pele. Por que eu não gravei o programa? Olha o ano lá na primeira linha. O tal videocassete ainda não havia chegado por aqui. E se perguntou isso, provavelmente você também não. E não o invejo - pelo menos nesses cinco minutos - foi legal ter estado lá.