Sem Fôlego (Wonderstruck), o mais novo filme do diretor americano Todd Haynes, de Carol, dividiu o Festival de Cannes após sua projeção. Há uma torcida organizada contra alguns recursos de linguagem usados pelo cineasta, em especial a leitura de uma série de bilhetes escritos por uma das duas personagens vividas por Julianne Moore (uma deficiente auditiva) para "explicar" a trama, inspirada na prosa de Brian Selznick (criador de Hugo Cabret) e conduzida parte em preto e branco, parte em cores e parte com animação.
A montagem do filme, uma narrativa infantojuvenil guiada pela doçura, é do paulista Affonso Gonçalves (de Patterson), hoje um dos artistas brasileiros mais conceituados em solo hollywoodiano e europeu.
Comovente do começo ao fim, embora pareça mais longo do que deveria ser, Sem Fôlego trança um par de histórias, ambas protagonizadas por crianças, ambientadas em um intervalo de 50 anos de separação. Em 1927, uma menina sem audição tenta se aproximar da mãe (Julianne), uma estrela famosa da era muda do cinema que se dedica ao teatro com a chegada do som às salas de exibição. Mas a aspereza materna levará a garota a buscar comforto numa espécie de museu de cacarecos exóticos, chamados de "maravilhas". Em 1977, o mesmo museu vai atrair um guri que perdeu a capacidade de ouvir ao ser atingido por um raio (ou coisa parecida). O menino também sai de casa, mas à busca de seu pai. Em algum ponto, os caminhos dela (a parte monocromática do longa) e a do garoto (a porção colorida) vão colidir.
Até a colisão, Haynes conduz o público a uma viagem apaixonada pelo cinema mudo, pela disco music e por David Bowie, evocando os dois hemisférios de seu cinema: seu traço melodramático (visto principalmente em seu Longe do Paraíso) e seu traço historiador da cultura de massas (visto em Não Estou Lá). Goste-se ou não de suas opções estéticas, ele - que é respeitado como uma referência autoral de boa direção no lado mais indie de Hollywood - construiu um filme com vários elementos essenciais à obra e ao gosto do presidente do juri da Palma de Ouro deste ano, o espanhol Pedro Almodóvar. Afinal, mais do que melodramático, o filme tece loas às divas dos anos 1920 - uma paixão de Almodóvar.
Ao fim da projeção de Sem Fôlego, Cannes afogou-se em sangue aos longo das quase duas horas de Blade of the Immortal, de Takashi Miike, aplaudido com fervor e definido aqui como uma espécie de Apocalypse Now dos filmes feudais japoneses. De fato, filmar ação de um modo tão radical quanto Miike filma poucos conseguem. Mas Blade of the Immortal é assunto para o próximo texto da nossa cobertura de Cannes, que acontece na França até o dia 28.