Vários bebês foram sacrificados na casa onde se passa The Child Remains, um sombrio ensaio sobre maternidade rodado no Canadá por Michael Melski, que virou a maior sensação do Fantasporto 2018 por sua estética sofisticada. Um dos mais antigos e mais prestigiados eventos de fantasia e terror da Europa, o festival português, realizado no Cine-Teatro Rivoli, na cidade do Porto, inflou de espectadores que aplaudiam com ardor a produção que Melski decalcou de fatos na Nova Escócia.
“Descobri a história de uma jornalista que, internada em uma clínica para grávidas na Nova Escócia, escreveu cartas para seus parentes denunciando os horrores que viu no local, com o extermínio de crianças e suas mães”, disse Melski ao Omelete ao explicar a gênese de seu filme, onde um casal com diferenças de idade se hospeda em um chalé onde crimes hediondos foram cometidos por uma parteira. “Tentei fazer um filmes centrado na força feminina, com mulheres fortes antagonistas e homens frágeis a entrar em colapso. Usei a força de cults de John Carpenter como referência”.
Nesta terça (27) é dia de o Fantasporto conferir Replace, produção de Norbert Keil sobre uma mulher que tenta substituir sua pele pela de outras. Essa trama rendeu a Keil o troféu Méliès de Melhor Filme Europeu no Festival de Bruxelas.
“O cinema de hoje está a acompanhar os problemas do mundo e a transformá-los em arte. O cinema fantástico segue essa tendência: olha o presente para imaginar o futuro. Por isso, parece-me que a ficção científica está em alta”, diz Beatriz Pacheco Pereira, a diretora do festival. “Há um cada vez maior culto do cinema de terror clássico, como se vê agora com A Forma da Água, de Guillermo Del Toro, cujo primeiro filme ganhou prêmios aqui no Fantasporto, o que é um motivo de orgulho para nós”.
Tem Brasil nestas bandas também. Com Murilo Rosa no papel do Diabo e Mônica Iozzi na pele de uma jornalista tentada pelo Mal, o longa-metragem A Comédia Divina, do paulista Toni Venturi, representa o cinema nacional na seleção competitiva do evento, com sessão nesta sexta, no Porto. Centrado nos esforços do Demônio para abrir uma igreja e recuperar sua popularidade, o filme de Venturi é a única produção da América Latina em concurso no evento, que vai até 4 de março. Ele disputa com títulos como Ruin Me, de Preston De Francis (EUA); Ilawod, The Water Spirit, de Dan Villegas (Filipinas); Ajin: Demi-Human, de Katsuyuki Motohiro (Japão); e Les Affamés, de Robin Aubert, do Canadá.
Ao avaliar a inclusão de Venturi em concurso, Pereira já enxerga uma sofisticação na linhagem fantástica do audiovisual brasileiro que, segundo ela, não necessita apenas de dinheiro para existir. “Tem de haver inteligência e o despertar generalizado para o cinema da imaginação, em geral, um retrato exagerado da realidade”, define.
Este ano, o Fantasporto repete sua parceria com a TV Globo - iniciada em 2017, com uma mostra do melhor da emissora carioca - e apresenta episódios de duas séries do canal. A primeira é Vade Retro, um produto do diretor Mauro Mendonça Filho, com Tony Ramos e Mônica Iozzi, que teve sessão de gala na Berlinale, há uma semana; a segunda é Carcereiros, com Rodrigo Lombardi, feita com a grifa autoral do cineasta José Eduardo Belmonte. Também no pacote global entrou o telefilme brasiliense Meio Expediente, de Santiago Dellape. Ramos estará em Portugal para a sessão do projeto pilotado por Mendonça Filho e receberá, neste sábado (3), uma homenagem pelo conjunto de sua carreira na TV e no cinema. “Fiz Vade Retro buscando expressar a maldade que existe dentro de cada um de nós, o nosso demônio interno”, explicou o astro. “Bom ver essa experiência ganhar novos espaços”.
