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Artigo

O que Hollywood deve aprender com o sucesso de Deadpool

Criatividade, liberdade e o poder do público

15.02.2016, às 15H49.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H36

O público nunca teve tanto poder. Se na TV os canais convencionais, pagos ou não, estão perdendo espaço para os serviços de streaming, no cinema essa “revolução civil” começou com serviços de financiamento coletivo como Kickstarter. Sem investidores para seus projetos, cineastas passaram a ter o apoio direto de fãs e outros mecenas. Anomalisa, a animação de Charlie Kaufman que agora concorre ao Oscar, é um dos exemplos de sucesso mais recentes da ferramenta, tendo conquistado um orçamento de US$ 400 mil, duas vezes mais do que o solicitado.

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Deadpool, que somou US$ 135 milhões no seu fim de semana de estreia nos EUA, batendo recordes de arrecadação para um filme com classificação R (leia aqui), é uma nova lição da diferença que esse apoio popular pode fazer, mesmo que indiretamente. Considerado um projeto de risco pela Fox, o longa começou a ganhar a atenção do público em 2010 com o vazamento do roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick. As críticas positivas de blogs especializados e  fãs deram ao script uma aura cult - uma grande ideia desprezada por um grande estúdio. Em 2014 veio a virada definitiva, com o vazamento da cena teste. Em menos de dois meses, o apoio online ao filme tornou possível o que estava empacado há dois anos. O filme ganhou uma data de estreia e um modesto orçamento de US$ 58 milhões - "o equivalente ao orçamento de cocaína de outros filmes de heróis", segundo Ryan Reynolds.

O segredo de Deadpool, porém, não está apenas nessa “vitória contra o sistema”. Desde que começou a ser rodado, o filme não virou as costas para o seu público e Reynolds se tornou o porta-voz oficial da zoeira. A campanha de marketing seguiu todo o andamento da produção, com imagens engraçadinhas sendo divulgadas regularmente. Ao mesmo tempo, um outro público, que conhecia Reynolds das comédias românticas e do seu casamento com Blake Lively, também testemunhou o esforço e a empolgação do ator em levar o mercenário às telas.

Assim, quando chegou aos cinemas, o filme estava na cabeça de um grande público, não apenas dos entusiastas dos quadrinhos. No passado, longas como Serenity: A Luta Pelo Amanhã (2005), a “conclusão” da finada série Firefly, também feito com o apoio dos seus órfãos, não conseguiram passar a barreira do seu “nicho” em uma era sem a força das redes sociais. Ou seja, a revolução nasce com os fãs, mas precisa ir além. Deadpool conseguiu esse feito deixando clara a ligação pessoal de todos os envolvidos com a produção, trabalhando o marketing como uma ferramenta de comunicação, não de manipulação descarada. A consequência disso é engajamento, o que tornou o longa um dos mais citados nas redes sociais nos meses que antecederam a sua estreia. Exemplo que deve ser seguido agora em Esquadrão Suicida, com os atores participando ativamente da divulgação do longa em suas redes, e Guardiões da Galáxia 2, com o diretor James Gunn e o elenco se mantendo sempre próximos do público durante as filmagens.

Esse sucesso abre espaço para alguns ensinamentos que devem ficar para Hollywood, começando por regrinhas básicas como ouvir e não mentir para o público. A internet criou a era da opção, em que o poder de decisão sai das mãos dos executivos e vai para o espectador, seja na hora de escolher o horário em que se vai ver determinado programa ou quando vale a pena sair de casa para ver um filme. Caso se sinta enganado, o público não dará o retorno esperado - como a Fox bem aprendeu com Quarteto Fantástico, um longa tratado como um problema pelo estúdio desde o início da sua produção.

Outra lição é de orçamento. Deadpool saiu do papel por US$ 58 milhões, permitindo que o diretor Tim Miller e Cia. mantivesse o controle criativo, além da classificação restrita, essencial para que personagem se mantivesse fiel às HQs. Homem-Formiga, por exemplo, feito por US$ 130 milhões no Marvel Studios depois de uma produção conturbada (leia mais), faturou apenas US$ 180 milhões nos EUA. Com um orçamento alto, supostamente na casa dos US$ 410 milhões, Batman Vs Superman - A Origem da Justiça também deve mudar a sua distribuição de recursos na Warner Bros. caso o filme não chegue as aguardadas cifras recordes (saiba mais).

A internet também é internacional, algo que muitos estúdios ainda falham em entender, não tendo o mesmo cuidado com a distribuição dos seus produtos fora dos EUA. No caso de Deadpool, a Fox brasileira soube abraçar a zoeira, o que resultou na soma de R$ 25 milhões no fim de semana de estreia, uma das maiores aberturas do ano no país - leia mais. O filme também mostrou que é possível faturar alto internacionalmente sem “truques baratos” como o 3D ou a muleta chinesa (o filme teve seu lançamento negado na China por conta do conteúdo violento), chegando a US$132 milhões arrecadados fora dos EUA no fim de semana.

O primeiro impacto de Deadpool deve acontecer dentro da própria Fox, que já deve reformular estratégias para X-Men: Apocalipse e Gambit, além de tirar do papel projetos como X-Force e New Mutants. Deadpool 2 também está no cronograma, mas precisa ser tratado como mais do que apenas uma continuação, fazendo mais do mesmo. A moral da história, afinal, é que criatividade e liberdade são essenciais para que os heróis continuem a reinar nas bilheterias.

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