Vestindo uniformes de combate, Jean Grey e Scott Summers dão risada enquanto jogam uma acirrada partida de tênis de mesa. Assistindo ao lado está o bestial Noturno, que espera sua vez. O peludo Fera conversa ao fundo com alguém, enquanto segura um suco de caixinha com um canudinho nas suas mãos azuis com garras.
Seria uma cena perfeita das histórias de Chris Claremont nos anos 80 dos fabulosos X-Men não fosse o homem que conversa com o Fera. Ele é um engenheiro de som que está explicando algo ao ator Nicholas Hoult. O Omelete está em Montreal, no Canadá, acompanhando as filmagens de X-Men: Apocalipse, afinal, e esse é um dos momentos de recreação do elenco entre as gravações. Todos estão maquiados esperando sua vez.
"Este filme encerra a trilogia iniciada em Primeira Classe e continuada em Dias de um Futuro Esquecido. Mas ao mesmo tempo amarra esta trilogia ao primeiro filme e abre caminho para o futuro", explica o diretor Bryan Singer. "X-Men: Apocalipse é sobre o nascimento dos X-Men e explora deus, religião e fé enquanto aumenta a escala de perigo para níveis globais".
Para o produtor Simon Kinberg, o longa "desafiará o conceito de familia que iniciamos, indo ainda mais a fundo nesses personagens principais". Magneto (Michael Fassbender), Charles Xavier (James McAvoy), Raven (Jennifer Lawrence) e Hank McCoy (Hoult) seguem no centro da trama. "Muitas trilogias curiosamente chegam à terceira parte e erram ao introduzir personagens demais, perdendo o foco. Eu mesmo errei nisso em X-Men: O Desafio Final. Mas aqui seguiremos a lição de O Retorno de Jedi: aprofundar-se nesses heróis centrais e seus crescimentos", admite.
Para o produtor, Primeira Classe é como eles se encontram. Dias de um futuro Esquecido é sua cisão e Apocalipse será uma resolução, "com alguma reconciliação envolvida, mas todo mundo sabe o que vai acontecer entre Xavier e Erik".
Kinberg diz que não estão mudando nada fundamental nos personagens das HQs, afinal. "Vamos apenas terminar de contar suas jornadas específicas, mas isso não significa que não os usaremos no futuro de outra forma".
Quando a trilogia terminar deixará esse universo próximo do primeiro filme dos X-Men, de 2000. "Criamos uma linha temporal alternativa, mas queremos levá-la ao terreno conhecido da primeira trilogia, como mostramos na cena final de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido", continua Kinberg. "Temos que ser fiéis ao cânone e ao mesmo tempo surpreendentes. Há mais destruição e perda neste do que nos anteriores", garante.
Há novos personagens, claro, mas todos ocuparão posição secundária em X-Men: Apocalipse. "Não queremos participações especiais por si só. Tem que existir uma razão para eles aparecerem", segue o produtor. Por exemplo, a Jubileu, cujo papel não é grande ainda, mas entrou por ser divertido e uma representação perfeita das aventuras dos X-Men nos anos 80. "Consideramos também a Cristal, que é puro anos 70, um ícone da discoteca, mas não chegamos a uma ideia boa o suficiente. Por outro lado, não tivemos problemas com a Psylocke", explica, comentando que Olivia Munn aceitou o papel, que ele descreve como uma forte personagem feminina, na hora! "Ela mandou imagens suas feitas por fãs que encontrou na Internet para o diretor Bryan Singer". Aqui ela é apresentada como vilã e um dos quatro cavaleiros de Apocalipse (Oscar Isaac), ao lado de Anjo (Ben Hardy), Magneto e Ororo, a Tempestade (Alexandra Shipp), ostentando seu visual punk oitentista e com origem africana, incluindo o sotaque.
O grande vilão do filme, aliás, foi o maior desafio do roteiro. "Como criar um personagem tão poderoso, o mais forte que já tivemos em qualquer filme dos X-Men, e humanizá-lo de forma a equilibrar o drama e a ação? Ele é visualmente difícil também, em uma escala superpoderosa, mas que inevitavelmente deveria exibir alguma fraqueza. Mas perseguimos muito isso no roteiro e estou muito feliz com o resultado", garante Kinberg. Para ele, a confiança de todos os envolvidos depois de tantos filmes dos X-Men realizados foi fundamental para isso.
"O filme lida com esse vilão diferente, que traz um conceito completamente novo à série", diz Bryan Singer. "Ele não entende que é um mutante. Achava ser um deus no Egito antigo. Essa criatura poderosa vai forçar humanos e mutantes a trabalharem juntos".
As motivações do vilão são explicadas na cena de abertura do filme. Nela, En Sabah-Nur, um mutante que age como divindade no Egito antigo, deixa seu legado para o povo: um mundo perfeito, que ora por deuses enquanto erege pirâmides e esfinges magníficas.
Seu visual, mostrado em um computador, remete aos quadrinhos, ainda que mais inspirado no Egito do que na truculenta armadura cinza. Mesmo assim, há referências interessantes, como os tubos que saem do tronco, o "A" estilizado no abdômen e as angulosas maçãs do rosto, obtidas com maquiagem protética sobre a face de Oscar Isaac, irreconhecível. Os olhos emanam um ameaçador brilho vermelho, ainda que não tenham convencido os fãs em trailers e imagens.
"Oscar e eu discutimos muito sobre a natureza dos cultos", conta o diretor. "E todos eles têm aspectos parecidos, com aspectos militarizados, políticos, jovens e às vezes sensuais. Cada um dos quatro cavaleiros de Apocalypse neste filme representa um desses aspectos: Arcanjo é o militar, Magneto o político, Ororo a jovem e Psylocke a sensual, respectivamente".
O set construído para a cena que introduz o personagem, o interior de uma pirâmide, levou cinco meses para ser montado e será usado apenas um dia. Trata-se de um grande salão completo com hieróglifos, supostamente pesquisados pela equipe de design para contar uma historia real, a dos mutantes na antiguidade. Diante das paredes, duas estatuas de 10 metros cada de Baast, a deusa com cabeça de gato, ladeiam um poço misterioso, onde Apocalipse fará sua primeira demonstração de poder. Mas algo acontece e ele entra em estado de hibernação profunda. "Quando desperta, em 1983, uma das piores épocas da humanidade, ele decide que seu legado não deve morrer e começa sua jornada para purificar o mundo, que encontra poluído, corrupto e cheio de falsos deuses", conta Kinberg, "e obviamente os X-Men vão se colocar em seu caminho".
Se 1983 foi um ano complicado, para os mutantes, porém, não poderia estar melhor. Depois dos eventos de Dias de um Futuro Esquecido, os Filhos do Átomo começam a ser aceitos pela sociedade, algo bem diferente dos X-Men de 2000.
"Os humanos agora celebram o Dia M, aniversário do atentado fracassado de Magneto à vida do presidente dos EUA. Sabe-se apenas que uma mutante azul misteriosa o salvou e isso gerou uma onda de aceitação aos mutantes no mundo", explica Singer. O diretor, porém, acredita que toda aceitação sempre vem com sua carga. "É como foi com os direitos civis dos negros e hoje com os direitos dos gays. Aceita-se isso, mas sempre há uma dose de cinismo em certos segmentos da sociedade, que não estão 100% preparados". Isso será refletido no filme, onde alguns grupos radicais agem sem saber que sofrem vigilância da CIA. Sob a liderança de Moira MacTaggert (Rose Byrne), um em especial começa a crescer: o que acredita na volta do Primeiro Mutante. É a investigação dela e o encontro da pirâmide oculta de Apocalypse que vai trazê-lo de volta.
Enquanto isso, o sonho de Charles Xavier está dando frutos e a Escola Para Jovens Superdotados em Westchester, Nova York, floresce com jovens mutantes estudando e aprendendo.
Todos os sets que envolvem a Mansão X foram ampliados e aprimorados. Pude caminhar em alguns deles, como o hall principal - com sua escada em forma de X -, a biblioteca, uma sala de descanso e vários quartos. Todos construídos ao estilo vitoriano conhecido dos outros filmes, mas pontuados com decoração mais ano 80, com cores mais fortes e elementos de design característicos, como moveis de acrílico e texturas coloridas.
No subsolo, o set enorme do computador Cérebro (cuja única atualização foi o console, que ficou mais moderno) fica ao final do longo "corredor azul" também já visto nos outros longas. Bombas nos cantos lançam uma névoa no ar, dando a entender que algo dramático acontecerá na mansão.
Em contraste a isso, Erik Lensheer, o Magneto, está de volta à Polônia em que nasceu. O filme começa 10 anos depois do último e o encontramos bastante mudado. Ele trabalha em uma usina de metais e tenta levar uma vida tranquila, longe do passado. "Ele tem mulher e uma filha agora", conta Kinberg. Insisto, mas o produtor não quer falar mais a respeito, nem se a garota é Wanda, a futura Feiticeira Escarlate das HQs, algo que a Marvel tem tentado mudar nos quadrinhos. "Ele tem uma família e ela será mais uma vez tirada dele, devolvendo-o ao mundo que ele tentou deixar para trás e à eterna disputa de a filosofia de Xavier é ou não certa. Vou fazer mistério sobre a menina", limita-se a dizer. Seria a garota a irmã do Mercúrio (Evan Peters), que vimos no último filme? "Só posso dizer que ele será mostrado mais maduro e melhor desenvolvido. É o mesmo velocista divertido, mas mais responsável e terá uma grande cena de ação, além de uma trama paralela autor sobre a busca de sei pai", conclui.
"A jornada de Magneto será muito intensa. Ele já perdeu tanto...", complementa Singer. O diretor promete grande dose de drama, mas pontuado por momentos de humor. "É um filme de verão. Não posso deixar todo mundo deprimido no cinema! Preciso desarmá-los com umas piadas bem colocadas", comenta.
FORAGIDOS
Caçados por Apocalipse, os mutantes liderados por Xavier, em determinado momento, vão se refugiar em um apartamento decrépito no Cairo. Acompanhei James McAvoy nessa cena no set, criado em um antigo depósito nos arredores de Montreal. Deitado em um tapete, cercado pelos X-Men combalidos, o mutante desperta de um sono leve. Suando, com uma cicatriz fresca no rosto e visivelmente aterrorizado, ouve a voz de Apocalypse em sua cabeça. "Charlesssss... Eu sei que você está aí fora. Eu sinto um pedaço seu dentro da minha mente. Você é fraco. CHARLES!" uma lágrima escorre em pânico pelo rosto do professor.
"É ótimo chegar ao fim desta trilogia. Estou feliz com isso e em FINALMENTE ficar careca", conta James McAvoy. "Eu sempre tive curiosidade de ver como eu ficaria. Foi a oportunidade perfeita". Para o ator, aqui Charles Xavier finalmente vai se transformar no Professor X. "Perceberemos agora que na verdade seu maior poder é a capacidade de ensinar e a empatia". Sobre a intensa cena e a emoção que pude acompanhar no set, McAvoy explica que seu processo é ver nesses personagens seus colegas. "Quando os outros atores são tão bons é fácil sentir a dor deles ou sofrer por eles. E nessa cena específica a sensação é de que falhamos e não há como vencer".
Na cena seguinte, para esquecer o medo e reforçar o treinamento de seus pupilos, o Professor X chama Ciclope. Os dois farão um exercício para que o garoto tente controlar suas poderosas rajadas óticas. Conectados mentalmente, eles tremem com o esforço, ao que Jean Grey chega para ajudar. Por trás, ela passa um braço pelo peito de Xavier enquanto estica o outro na direção de Scott, à frente de ambos. Ela sorri. Parece que estão perto de algo. Há um momento de triunfo e.... WHAM! Uma rajada ótica explode para cima, inundando o pequeno cômodo, onde também estão Moira MacTaggert, Fera e Noturno, com uma intensa luz vermelha. O professor abraça seus pupilos.
Em cena momentos antes, Sophie Turner - a Sansa de Game of Thrones - revela que "Jean sempre foi minha favorita. Já vi os filmes umas cinco vezes cada e sou muito fã. Os quadrinhos eu só lia ao lado dos meus irmãos quando era mais nova. Mas preferia os filmes e os desenhos", conta a jovem atriz.
"Adoro a Jean pelo que a Famke fez com ela. Ela é tão elegante e boa atriz!", diz, revelando que mandou email para a sua antecessora pedindo dicas. "Ela me falou algumas coisa valiosas, mas especialmente que eu desse minha própria força a ela. Espero que esteja conseguindo, mas consigo me relacionar muito com a Jean. Ela é jovem, está na escola, tem que se adequar pra não ficar alienada. A diferença é que além dos hormônios e dos garotos ela precisa lidar com um poder quase incontrolável!", brinca, dizendo aqui que não entende por que teve que ficar em forma para vivê-la. "Se eu fosse poderosa assim, com telecinésia e poderes mentais ia me largar fácil ", ri.
Para ela, o melhor do filme é a relação entre Jean e Xavier, que além de professor é figura paterna para a mutante. "Eles se conectam especialmente pelo poder. Já a conexão com Scott é um vislumbre apenas de coisas que podem acontecer no futuro", completa.
Tye Sheridan, o novo Scott/Ciclope, por sua vez, disse estar ainda em choque pela contratação. " Só acreditei no dia que entrei no set pela primeira vez e vi o X no chão do set da mansão", comenta. O personagem será levado pelo irmão, Alex Summers, o Destrutor, para a escola depois de um acidente. "Veremos alguns dos acontecimentos que o tornaram como é, um cara que muita gente considera meio dificil", promete. "Como boa parte do filme eu fico com óculos ou vendado, já que Scott não controla suas rajadas óticas, o maior desafio pra mim foi aprender a atuar com outras partes do rosto e a melhorar minha expressão corporal", completa.
Kody Smit-McPhee, por sua vez, celebra sua sorte em viver o Noturno. "Eu vim do cinema independente, é incrível a escala de um filme assim", diz, caracterizado como o personagem, completo com as tatuagens de símbolos angelicais no rosto. O ator é o que mais sofre no set, já que passa por uma transformação diária para transformá-lo no mutante alemão. "Chego três horas antes que todo mundo e sou o último a sair, mas você não vai me ouvir reclamar! Estou em X-Men!", conta, garantindo que leu muitas HQs e viu os filmes e desenhos para conhecer o personagem completamente. "Entendo totalmente o amor dos fãs por ele agora, ele é muito sensível e estudei também religiões diversas, meditação, fé e até física quântica para vivê-lo. O texto tem um lindo equilibrio em relação ao Noturno", conta.
O FUTURO
Para Kimberg, o futuro do mutantes é muito promissor. Há vários filmes dos X-Men em produção, como Gambit e Deadpool, e todos eles vão de integrar de alguma forma. "Contarão uma história como fragmentos de uma tapeçaria" e ele não exclui a ideia de unir o Quarteto Fantástico a esse mundo, já que essas franquias da Marvel estão sob contrato com a Fox.
"Kevin Feige e o Marvel Studios fizeram um trabalho exemplar criando um mundo coeso para seus filmes. Mas isso não foi invenção deles.... Já acontece nos quadrinhos há décadas", explica.
Quanto ao empréstimo de personagens entre estúdios, Josh McLaglen, produtor executivo de X-Men: Apocalipse e ex-presidente da Fox, acredita que é algo "positivo", ainda que esteja afastado desse tipo de decisão hoje. "Mas se por um lado amo o que a Marvel está fazendo, estou muito mais empolgado com o que estamos criando aqui. Parcerias poderiam acontecer, mas os X-Men são tão únicos e seu universo tão vasto que é uma situação completamente distinta de um herói sozinho cujo estúdio precisa criar Fornas de transformar em franquia", diz, referindo-se ao acordo da Marvel e Sony sobre o Homem-Aranha. "Nós não precisamos disso, ainda que fosse bacana ver".
"Outra de nossas apostas futuras será o filme dos Novos Mutantes, que foi nos apresentado de maneira soberba por Josh Boone", conta Kinberg. "Ele fez um projeto inspirado e detalhadissimo, que adoramos de cara".
Mas como entraria o herói favorito dos fãs nesse futuro, já que Hugh Jackman se diz velho demais para seguir vivendo o Wolverine? "Vivo em negação sobre isso. Não quero nem pensar", dispara McLaglen.
"Mais do que um grande ator temos que encontrar uma grande ideia para substitui-lo, se for o caso", especula Kinberg. "Mas antes disso vamos tentar convencê-lo a ficar. Tem dois caras hoje apenas que não vejo como o cinema pode substituir, Jackman e Robert Downey Jr. Não vai ser fácil. Esses personagens não são como o James Bond. Esses caras os fizeram no cinema".
"Não tenho ideia de como vamos contratar outro Wolverine. Eu amo o Hugh. E amo tê-lo no set. Ele é especial. Mas não posso mais falar nada sobre isso", conclui Singer, sugerindo que já tem um plano para o futuro do mutante mais popular da Marvel.
Mas será que o diretor seguirá no comando da série? "Eu adoro esses heróis. Sempre adorei desde que era um nerd isolado nos anos 80. Eu me identifico muito com eles. Eu escalei cada ator da série pessoalmente e este é meu quinto filme no comando. Sem falar que esse é um trabalho divertido e muito sedutor criativamente. É difícil pensar em outra pessoa assumindo. EU tinha que ser o cara a cortar o cabelo de Xavier, por exemplo. Há tanta coisa pra criar que só posso fazer dentro de X-Men. É tudo muito pessoal", conclui, já deixando claro, por mais que ele mesmo ainda não tenha tomado sua decisão, que continuará por mais alguns anos à frente do universo mutante nas telas.
X-Men: Apocalipse estreia no Brasil em 26 de Maio de 2016.