Em meados os anos 90, Pulp fiction recuperou o cinema policial fazendo revisão de todos os clichês de seus antecessores. Pânico mostrou tudo que os filmes de terror utilizaram em 90 anos de cinema e apresentou uma nova fórmula para assustar platéias. Estes dois filmes já são modelos culturais, além de grande sucesso de público. Os jovens, em especial, entenderam que a principal intenção dos realizadores era a celebração do “estilo” de filme que homenageavam, isto é, o policial e o terror.
No alvorecer do novo milênio, a indústria cinematográfica apresenta uma terceira revisão. É ao que assistimos em As Panteras, filme que foi mais badalado por suas dificuldades de produção do que pelo seu real valor. O prazer em vê-lo é semelhante ao de Pulp fiction e Pânico, vibra-se com o fake, o falso explícito. Através da ironia, da gozação absolutamente intencional o filme homenageia o cinema de ação. E não é pouca coisa, pois se trata da verdadeira origem desta forma de arte. O cinema foi inventado para divertir mostrando cenas de grande movimentação: trens, corrida de cavalos, perseguição de automóveis, tiroteios (pasmem!, a violência corria solta já nos primeiros e curtos filmes). Charles Chaplin dizia que o público sempre ia ao cinema com a intenção de se excitar com seqüências de “ação”.
As Panteras inicia com uma verdadeira aula para cinéfilos e apreciadores de uma boa direção de câmera. A primeira seqüência se passa dentro de um avião e anuncia o tom de ironia e referências a outros filmes. Num longo plano sem cortes, estilo Hitchcock, a câmera dá a volta completa em torno dos assentos da aeronave, enquanto vislumbramos diálogos da trama que se revela. É o de sempre: alguém carrega uma bomba (lógico que se trata de alguém feio, sujo e malvado), a música é nervosa e já sabemos uma grande cena de ação nos espera...
O filme não esconde que copia o recente MI:2 (e faz melhor!). Nele , também vemos lances de 007 (incluindo estilo da trilha sonora), decalques completos de Matrix (seqüências de lutas e música do Prodigy), corridas-de-carros-em-pontes, coreografias de lutas chupadas dos filmes de Taiwan e muito mais.
A lista de referências poderia ser maior, mas não são elas que tornam o filme bom e importante. Há muito mais a ressaltar. A ausência de sangue e de agressão explícita é uma delas. Dizem ter sido imposição da produtora-atriz Drew Barrymore. Se for assim, beijinhos nas suas grandes e afetuosas bochechas, (as do rosto, é claro...), pois isto marca uma das diferenças com filmes que recentemente banalizaram a violência, a despeito de alguns de seus méritos (vide O troco, 8 mm, Ronin e o próprio Matrix). As panteras liberam adrenalina sem grandes tensões, até esquecemos de “matar” quem faz barulho ao comer pipoca na poltrona ao lado. É um dos segredos da leveza do filme.
Outra curiosidade é o elogio que faz a uma nova forma de família. Na seqüência de créditos os “anjos de Charlie” são mostrados em suas curiosas personalidades e diferenças que provavelmente não foram absorvidas pela sociedade, são expurgos, apesar de absolutamente talentosas. Além disso, todas têm um ponto fraco (tal como os heróis de quadrinhos), um quê de ingenuidade e crença no ser humano. As três, apesar de frias em relação ao trabalho querem encontrar um amor e arrumam tempo no meio de uma briga para paquerar ou falar ao celular com o namorado. Junto com Bosley (Bill Murray) - o intermediário do misterioso Charlie - formam uma família. Quando descobrem o verdadeiro vilão, a trama se transforma radicalmente. A missão inicial era “salvar a humanidade” de uma bobagem qualquer. A ação agora é voltada para salvar a “família”, pois a malvada gangue quer exatamente eliminar Charlie, o pai. Seus anjos não podem permitir isto e o filme se torna um acerto de contas edipiano ao inverso.
O que corre no fundo é uma referência cultural aos anos 70, pré-AIDS, de plena liberdade sexual, música disco, um certo romantismo, que fica evidente na cena final: a nova família em plenas férias, na praia, celebrando a vitória de sua união e a possível estabilidade. Quem garante tudo é um pai que não aparece, apesar de extremamente poderoso. Como em Pulp fiction, Pânico, Matrix e os mutantes de X-Men, as personagens parecem órfãs e encontram uma nova família pelas aventuras em comum e o estabelecimento de uma nova e confortante organização. A prova que dá certo, pelo menos na ficção, na arte, é como são recebidos pelo público que os transformou em modelos do novo milênio.
Ano: 2000
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 98 min
Direção: McG
Elenco: Cameron Diaz, Lucy Liu, Drew Barrymore, Bill Murray, John Forsythe, Sam Rockwell, Kelly Lynch, Tim Curry, Luke Wilson, Crispin Glover, Matt LeBlanc, Tom Green, LL Cool J, Sean Whalen, Melissa McCarthy, Jerry Trimble