A primeira cena do livro Barba Ensopada de Sangue é uma das mais impactantes de toda a obra. Nela, nos é relatada a semelhança do protagonista, Gabriel, com o avô que ele nunca conheceu. Toda a exposição é feita pelo pai do personagem, que, ao final do monólogo, tira a própria vida.
Na hora de adaptar a história para o cinema, o diretor Aly Muritiba se viu em uma encruzilhada: usar a potente sequência já na abertura do longa ou fazer um caminho diferente, deixando para que todo o peso da exposição deste começo fosse espalhada no decorrer da duração. O diretor optou pela segunda opção. Durante o Festival de Gramado 2024, ele explicou um pouco as motivações que o levaram a tal decisão:
"Houve um corte bem mais longo do filme em que começávamos com essa cena. Mas ao longo do tempo, assistindo ao filme sucessivas vezes, eu fui me dando conta que ela dava informação demais. E aí o filme perdia todo o seu mistério. A gente começava o filme com um plano sequência de 17 minutos, e a gente começava o filme sem todas as informações que já estavam lá. Tudo o que ia acontecer com o Gabriel é o espelhamento do que aconteceu com o seu avô, que era narrado pelo pai nessa cena pré-suicídio. E aí eu falei, 'cara, essa cena, embora seja genial, anula tudo o que virá depois, porque tudo o que eu vou mostrar está sendo contado antes".
Com essa decisão, Muritiba acredita que conseguiu contar a mesma história, de uma maneira em que atrai o público, vai o alimentando com migalhas de informação, tanto direta, quanto indiretamente, até que o próprio espectador compreenda tudo que seria passado naquela grande abertura:
"São dados do passado que pairam sobre o personagem, que explicam muito do seu comportamento, mas que não precisam, necessariamente, ser abordados de maneira frontal. Ele não precisa dizer 'estou triste porque meu pai cometeu o suicídio'. A gente vê que esse cara está triste. E aí, lá adiante, quando a Viviane chega, a gente fala 'ah, houve uma morte na família'. 'Ah, foi o pai que morreu'. 'Ah, não, mas houve um suicídio nessa família'. 'Caramba, agora eu estou entendendo por que esse cara está assim, tão taciturno, tão quieto e tal'. Para mim, é muito mais interessante o efeito que o suicídio tem nele, ou o efeito que esse irmão tem, do que, necessariamente, a informação dada de maneira muito clara para os espectadores, sabe?"
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