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Blind Detective | Crítica

Em um filme que reafirma o poder do cinema de dar corpo ao mundo, ser ou não ser não é a questão

01.10.2013, às 13H44.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Se o domínio econômico da China no mundo se traduzisse em hegemonia cultural, Andy Lau seria maior que Robert Downey Jr., como Blind Detective, o mais recente filme policial do diretor Johnnie To, demonstra em 130 minutos de ação coreografada, numa única pegada de fôlego.

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O ator de Jogo da Vingança e Conflitos Internos interpreta o detetive cego do título, Johnston, que pede US$ 1 milhão para ajudar a sua maior fã, a policial Ho (Sammi Cheng), a investigar um crime não resolvido, o desaparecimento de uma menina, anos trás. Ho diz que tem bom físico e boa pontaria, então Johnston acaba se aproveitando da policial para resolver outros casos enquanto cuida do mistério da garota.

Diante da premissa, vem à mente o espadachim cego Zatoichi da cultura popular japonesa, mas a matriz das referências de To neste caso é mesmo o noir americano e seus detetives particulares - o que as expressões ditas em inglês, os valores em dólares e obviamente o nome do personagem de Lau já sugerem desde o começo. Não um noir na sua forma e nos seus clichês, mas um noir de memória afetiva, de evocação, dos mistérios da carne que aproximam homens e mulheres.

Um noir como Um Corpo que Cai, por exemplo, que Johnnie To referencia aqui na cena em que Johnston fica de boca aberta ao sentir o cheiro de uma mulher que ele persegue; ela passando desavisada às costas dele, como Kim Novak atravessando o caminho de James Stewart no filme de Hitchcock. É desse tipo de reminiscência que Blind Detective é feito (e como a cinefilia de To obviamente é filtrada pela sua vocação para o cinema de ação coreografado, Andy Lau está mesmo mais para o Robert Downey Jr. valdevilliano de Homem de Ferro do que para o detetive clássico impassível de Humphrey Bogart).

O gênio de Blind Detective é trazer essa estrutura de reminiscências para dentro da trama. Porque, veja só, estamos diante de um CSI sem perícia e de um whodunit sem falsos suspeitos - um longa policial que vive pelo prazer da perseguição, onde toda reconstituição de crime é acima de tudo uma obra de imaginação, de fantasias enquanto sinônimo de tara, como a trilha sonora cheia de acordeons "sensuais" de tango deixa pontuar. Se a trama se encaminha para uma comédia sexual, é porque o prazer da ação e o seu caráter sexual são indissociáveis.

Blind Detective, nesse sentido, é um filme muito similar a Holy Motors no seu gosto por construir uma realidade a partir de encenações fetichistas, e Andy Lau se entrega a esse bailado com a mesma disposição de Denis Lavant no filme francês, construindo um personagem icônico de cinema feito com pedaços de tantos outros - Zatoichi, Carlitos, James Bond. A fisicalidade é tudo, e não é por acaso que Andy Lau parece estar fazendo cara de orgasmo o tempo todo.

A imagem que fica - dentre muitas imagens de antologia que parecem se gerar espontaneamente ao longo deste filme, como se To as herdasse - é a do detetive com a pistola na mão direita e o crânio sobre a esquerda. Não é um crânio como o de Hamlet, metafórico, mas um crânio real, ao mesmo tempo imagem poética e testemunha da ação, prova cabal de que, no cinema, somos antes de tudo corpos no mundo.

Acompanhe as nossas críticas do Festival do Rio 2013

Nota do Crítico
Excelente!
Blind Detective
Man Tam
Blind Detective
Man Tam

Ano: 2013

País: Hong Kong, China

Classificação: 16 anos

Duração: 129 min

Direção: Johnnie To

Roteiro: Ryker Chan, Nai-Hoi Yau, Xing Yu

Elenco: Andy Lau, Sammi Cheng, Gao Yuanyuan, Zi Yi, Guo Tao, Lam Suet, Philip Keung, Tai-Lo Ma, Man-Wai Wong

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